A literatura de Antonio Carlos Viana (1944 – 2016) é a síntese de um Brasil que convulsiona: a miséria, a ignorância, a devassidão, as contradições que dão o tom à demagogia cotidiana – todas são personagens do escritor sergipano. Aberto está o inferno, publicado em 2004, é o resumo do país em 2019, já às raias do próximo ano. Seus contos investigam as ausências e as carências que formam um povo sofrido e inocente, rodeado por paisagens áridas e as inúmeras perdas de uma vida miserável.
Viana, um autor ainda a ser descoberto pela maioria, faz das formas breves – como diria Ricardo Piglia (1941 – 2017) – um estudo bastante avançado e amplo não apenas das mazelas, mas também da natureza humana. Suas narrativas encontram na perda da inocência e na amargura diante das condições – dois dos temas que percorrem boa parte dos 33 contos do livro – a força-motriz para um olhar vigoroso e sensível sobre o mundo.
Aberto está o inferno se debruça sobre aquilo que desejamos que fosse invisível. Para contrapor a hipocrisia, o escritor maximiza as situações-limite, os absurdos das relações e os impasses diante da “economia de meios”. São homens – que muitas vezes não passam de meninos – em busca de sexo; mulheres que driblam as convenções para sobreviver às impossibilidades; velhos e velhas que tentam enganar a morte para viver para sempre. No todo, todos são gente contra as vicissitudes da vida e em fuga da exploração que é intrínseca ao simples estar vivo.
Todo esse domínio estético e narrativo dos relatos de Aberto está o inferno confirma Antonio Carlos Viana como o João Cabral do conto, um ourives da palavra, alguém capaz de transformar qualquer metal em ouro.
Lassidão
Antonio Carlos Viana faz da vida do sertanejo e do favelado uma odisseia kafkiana. São muitos os processos e tamanhas as metamorfoses que é impossível ao sujeito manter-se o mesmo. Se em “Ana Frágua” o único objetivo do personagem é deixar de ser virgem, em “Tadinho do professor Tadeu” o autor cria uma aula de libertação e rebeldia. “Triste paixão no morro do Avião” e “Prima Otília” são peças incríveis sobre a lassidão de um amor proibido – como é a maioria dos amores em Aberto está o inferno.
Em todos os 33 contos do livro – um número bastante simbólico, é verdade –, o escritor percorre caminhos duros, porém, elevando a singeleza de um abismo que persegue as pessoas comuns. No meio de tanta balbúrdia – casas que não têm paredes, corpos que não possuem limites físicos e morais, direções que não têm sentido –, o que parece se sobressair é a sensação de isolamento. Não há o que parece salvar os personagens de uma estranha solidão. “Escritor escreve sempre sobre as mesmas coisas. E solidão é um tema muito caro a mim. Assim como o sexo, a morte, sempre estou recorrendo a esses assuntos”, comentou o autor em entrevista ao Cândido.
Todo esse domínio estético e narrativo dos relatos de Aberto está o inferno confirma Antonio Carlos Viana como o João Cabral do conto, um ourives da palavra, alguém capaz de transformar qualquer metal em ouro.
ABERTO ESTÁ O INFERNO | Antonio Carlos Viana
Editora: Companhia das Letras;
Tamanho: 160 págs.;
Lançamento: Outubro, 2004.