A cor branca está entre as mais enigmáticas – e versáteis – da cultura. Associada à ideia de pureza, limpeza, purificação, ela também é conectada, sobretudo em países asiáticos, à presença da morte. E é a partir da mote dos sentidos da cor que a escritora sul-coreana Han Kang (autora do incensado A Vegetariana) elabora uma pequena obra sobre a perda de sua irmã, que nasceu e morreu no período de duas horas, antes que ela mesma tivesse nascido.
Em O Livro Branco (editora Todavia, 2023, tradução de Natália T. M. Okabayashi), Kang se dedica a uma breve meditação sobre a complexidade da morte enquanto presença, sentida a partir da existência, não vivida por ela, de sua irmã morta. Ainda assim, ela existe e permanece, exigindo a necessidade de elaboração de um luto e suscitando uma reflexão poética sobre como a perda humana se mostra em vários elementos – inclusive em uma cor.
Os momentos mais belos desse pequeno livro são os que ela trabalha com a memória do próprio luto.
Diferente do que ocorre em A Vegetariana, aqui Han Kang adentra em um terreno mais lírico, menos descritivo, com o uso de poucas palavras que, por vezes, podem soar como a concisão de um haicai. O branco da morte se perpassa com a sensação da neve, com um bebê recém-nascido, envolvido em um cueiro, e que parece um bolinho de arroz, no leite materno, nos ossos, na poeira branca que cobre uma cidade na Europa dizimada pelo exército nazista.
O prédio, reconstruído após a destruição provocada por um ataque aéreo em 1944, se torna uma manifestação permanente daquilo que está ausente – tal como a irmã morta de Han Kang, cujo fim da existência possibilitou que ela mesma pudesse nascer. Trata-se menos de um romance linear e mais uma coletânea de microcontos, que se interligam pelo tema do luto, que é arrebatado pela cor.
‘O Livro Branco’: uma narrativa econômica

Isso possibilita que a escritora sul-coreana explore a sutileza de sua narrativa econômica e repleta de símbolos e alegorias. Como quando fala de dois universitários mortos que foram homenageados pela plantação de duas mudas de magnólias-brancas em uma colina com vista para a sua sala de aula.
Dos limites da cor, ela tece também elucubrações. “Por que as pessoas consideram preciosos os minerais que brilham, como a prata, o ouro e o diamante? Segundo uma teoria, o brilho da água significava vida para humanos na Antiguidade. Só que a água potável – a que dá vida – é transparente”.
Mas sem dúvida, os momentos mais belos desse pequeno livro são os que ela trabalha com a memória do próprio luto – primeiro, da irmã que morreu, e depois, de um irmão que nem teve a chance de abrir os olhos. Ela se pergunta: “então, se você ainda estivesse viva, eu não deveria estar vivendo agora. E, se estou viva agora, você não deve existir. Somente entre a escuridão e a luz, nessa lacuna azulada, nós conseguimos nos olhar, cara a cara”.
Uma obra sucinta, mas destinada às almas mais sensíveis, capazes de entender que o luto não é apenas dor e sofrimento, mas também linguagem.
O LIVRO BRANCO | Han Kang
Editora: Todavia;
Tradução: Natália T. M. Okabayashi;
Tamanho: 160 págs.;
Lançamento: Outubro, 2023.
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