Há uma voz que gira, dançando no ar. Não há melhor definição para Cravos (Record, 144 páginas), primeiro romance da escritora carioca Julia Wähmann. A dança e os movimentos – do corpo e da vida – são os personagens principais desse pungente relato – o relato de uma busca frenética pela identidade.
A narradora é uma mulher aficionada pela dança e que procura em outras pessoas – não se sabe se homens ou mulheres, mas isso não faz diferença – a sua própria essência. Wähmann tece um interessante comentário sobre a desilusão amorosa e a maneira como ela pode nos levar à nulidade – como se estivéssemos diluídos em um grande oceano de gente. Há uma catarse em cada capítulo, como se fosse preciso levar o leitor ao extremo e manipular tempo e espaço.
Cravos é, guardadas as devidas proporções, como Linha M., de Patti Smith, uma espécie de longo desabafo à solidão e, ao mesmo tempo, uma escrita sobre o vazio. É muito difícil escrever sobre o nada, disse a cantora em certo trecho do livro. Também não é fácil ler sobre nada. Wähmann cria pequenas narrativas incompletas e que se juntam, como numa foz, para formar algo maior e, ainda assim, ausente de completude.
Julia Wähmann deixa a cargo do leitor encontrar uma chave para fechar o livro, como um diário aberto e em constante construção.
“Hesito entre pedir outro café ou a conta, a garçonete hesita entre ser solidária ou ficar constrangida, até que finalmente. Mas você ainda para e cumprimenta alguém e se demora, e quando eu me levanto sem saber como, você tira do bolso uma flor, sorri ao perceber que ela está em frangalhos, gargalha me abraçando, me aperta, me cheira, me beija o pescoço, me conta de todas as suas vidas, trajetos e alegorias, devora um sanduíche, engole águas e cervejas, gesticula grande, me convida para um cinema, para uma performance, para um grupo de leitura de filosofia (…)”, diz certo trecho que mais parece um fluxo de consciência – ainda que um pouco forçado.
Espírito aberto
Para ler Cravos é preciso estar de espírito aberto e não esperar respostas, não estar afeito aos clichês da narrativa linear: e estar pronto para mergulhar em mar de angústia. Há um quê de juvenil, mas essa é a verdade de cada um. O livro se desenvolve como um grande hiato e entre pontos de exclamação e interrogação.
Julia Wähmann deixa a cargo do leitor encontrar uma chave para fechar o livro, como um diário aberto e em constante construção. Para se chegar ao final é preciso passar incólume às dores e aos pesares de uma mulher danificada pela sua própria existência.
CRAVOS | Julia Wähmann
Editora: Record;
Tamanho: 144 págs.;
Lançamento: Julho, 2016.