Peguei Dora Bruder, o primeiro livro do prêmio Nobel de literatura de 2014, Patrick Modiano, quase com a mesma curiosidade com que o escritor se deparou com um anúncio em um jornal antigo, escrito por pais preocupados com sua filha desaparecida, Dora Bruder. Digo isso porque não havia ali um interesse maior do que aquilo: um prêmio Nobel a ser descoberto, uma adolescente desaparecida há 20 anos. O que se desdobra disso pode ser ter valor ou não, mas Modiano foi muito além da minha curiosidade por ele.
O tímido autor francês foi atrás de informações que levassem ao paradeiro de Dora Bruder, jovem judia desaparecida durante a ocupação nazista em Paris. Descobriu que seus pais eram de origem austríaca e húngara, e além disso eram judeus, um mau negócio naquela época. Quando deixaram o império austro-húngaro para se alojarem em Paris, no Boulevard Ornano, registraram a filha em um colégio interno na ânsia de conter os anseios da juventude. Foi a salvação da jovem Dora, pois na hora em que que o regime de Adolf Hitler tentou cadastrar os judeus que habitavam a cidade da luz, o pai propositalmente esqueceu de mencionar a filha que quase nunca ia para casa. A partir daí a trilha de Dora Bruder se torna difusa, e cada pista que guarde em si a promessa de mais um passo é tida como uma preciosidade no pequeno livro que leva seu nome.
Modiano é sintético e, mesmo que fale de si no livro, se distancia ao máximo do objeto pesquisado. O resultado é estranho e muito pouco empático.
Conjuntamente a essa atividade de busca, Modiano, que também é judeu e também mora em Paris, faz seus paralelos e joga com a função do tempo no peso da história. O que era ser judeu em paris na adolescência de 20 entender a sensibilidade de Dora Bruder — a quem Modiano trata como uma amiga que não chegou a conhecer –,mas, infelizmente, o romance não oferece muito mais do que isso.
Modiano falha ao dar mais emoção para o livro, que é quase tão frio e impessoal quanto um anúncio na página de classificados. A busca por mais pistas, longe de ser policialesca ou jornalística, é um relato reto que não produz outro resultado senão a indagação do leitor sobre as reais intenções do autor ao optar por aquele estilo.
Modiano é sintético e, mesmo que fale de si no livro, se distancia ao máximo do objeto pesquisado. O resultado é estranho e muito pouco empático. Ao mesmo tempo em que contribui com mais um tijolo para a construção do muro de atrocidades cometidas durante o regime nazista na Europa durante a Segunda Guerra Mundial, peca ao não tentar ser mais do que isso. No fim, Dora Bruder é um livro como seu autor: discreto e apagado, cujo valor depende mais de quem lê do que do conteúdo de suas páginas.
DORA BRUDER | Patrick Modiano
Editora: Rocco;
Tradução: Márcia Cavalcanti Ribas Vieira;
Tamanho: 144 págs.;
Lançamento: Dezembro, 2014.
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