Do pai, Emanuel só sabe o nome: Josif, um recruta que engravidou sua mãe durante pilhagens à aldeia em que Marija e a família moravam. Para fugir dos horrores da Segunda Guerra, a mãe de Emanuel, uma mulher doente e frágil, foge com o filho, a irmã Mirna e a mãe para o Brasil. Ainda que tenha chegado criança ao novo país, Emanuel nunca deixou de se sentir um estrangeiro. E, aos 17 anos, precisa lutar para descobrir a sua própria identidade e libertar-se da névoa criada pela debilidade de Marija.
Longe das Aldeias (Terceiro Selo), de Robertson Frizero, é uma alegoria a todos os judeus que precisaram deixar seus povoados após invasões nazistas, mas é também uma crônica sobre as aventuras juvenis de tentar encontrar-se em um emaranhado de dúvidas – aparentemente sem respostas. Emanuel caminha entre as lacunas que a vida lhe ofereceu: a ausência do pai, os arroubos violentos da mãe, os diversos namorados da tia e a paixão por Madalena.
Frizero cria com Emanuel seu próprio Meursault: um sujeito não é parte do mundo que o cerca e que também admite certo alívio após a morte da mãe. Como o personagem de Camus, o protagonista de Longe das Aldeias é um homem falho e que sucumbe aos pecadilhos do dia a dia, mas que, ao contrário, não se deixa vencer. “O esforço faz com que a velhice precoce do rosto seja ainda mais cruel”, se compadece sem sentir pena.
As memórias de Emanuel são ao mesmo tempo veneno e antídoto para “um futuro brilhante”, nas palavras de tia Mirna, mas ao longo do livro se percebe que é impossível fugir ao destino que o cerca e o espreita a cada passo.
Todos no livro precisam acreditar nas mentiras que contam para conseguir suportar as horas que lhe cabem.
Mistérios
Longe das Aldeias é um romance permeado pelo mistério. Assim como Emanuel, o leitor é assaltado por diversas perguntas que flutuam e fazem do livro uma poesia em prosa. Não se sabe o exato lugar do vilarejo de Marija, mas se compreende que ela é judia. Para agradar Josif, o único homem de sua vida, ela batizou o filho na Igreja Católica – ainda que o proíba de beber vinho e de comer carme de porco.
Todos no livro precisam acreditar nas mentiras que contam para conseguir suportar as horas que lhe cabem – como no conto “La Salud de los enfermos”, de Cortázar, em que a família não conta à mãe que o filho morreu e mandam à velha várias cartas como se o defunto as enviasse (e quando a velha morre, uma das tias se pergunta como contar ao rapaz que a mãe está morta).
Os fardos vão se seguindo um a um. E nenhum é aliviado.
LONGE DAS ALDEIAS | Robertson Frizero
Editora: Terceiro Selo;
Tamanho: 96 págs.;
Lançamento: Junho, 2015.