Quem pega o transporte público em São Paulo e se dá o trabalho de espiar os (poucos) livros carregados pelos transeuntes sabe bem: esta é uma cidade em que muitos sonham em enriquecer. Não à toa, é aqui que habitam os famosos “faria limers”, os sujeitos bem-sucedidos que supostamente fazem os negócios mais importantes do país e ganham muito dinheiro na avenida que rasga quase 5 km por diferentes bairros paulistanos.
Ser rico e poderoso é também o sonho de Nilo, o protagonista do romance O Maior Ser Humano Vivo (editora Record, 2024), do escritor Pedro Guerra. Um aluno “quase brilhante”, de acordo com os seus professores no curso de Direito da USP, Nilo é mais um dos tantos sedentos por um lugar ao sol no reino dos homens (e mulheres) mais invejados da nação. E ele está obstinado em desmentir o “quase” na profecia e ascender em tempo recorde dentro de um dos escritórios de advocacia mais tradicionais de São Paulo.
Para atingir esse resultado, o advogado está totalmente disposto a dançar conforme a música e se tornar um trator de produtividade. No contexto da Faria Lima, isso significa trabalhar sem descanso, aguentando o ritmo pesado à base de estimulantes de todos os tipos. Em meio a tudo isso, há, claro, muito café, drogas, drinques de happy hour e competição desleal entre os pares. O ritmo é alucinante e opressor, e não à toa há vários alpinistas que ficam pelo caminho.
O tom empregado por Pedro Guerra na narrativa que nos entrega esta história, evidentemente, é de deboche. Mas não do tipo mais óbvio, escrachado, e sim algo mais sutil, como uma piada que se revela aos poucos para quem capta as referências. O humor está, por exemplo, nos personagens que circulam no escritório: como no garçom Jefferson, que, depois de servir sofisticados biscoitos Jules Destrooper nas reuniões, comercializa drogas pesadas; ou no peculiar milionário Reggie, que logo se torna o melhor (e único) amigo de Nilo e nutre uma pequena obsessão por Julio Iglesias.
Já no primeiro capítulo (não é nenhum spoiler, portanto), descobrimos que a meteórica carreira do Nilo na advocacia não durará muito tempo. A questão em torno do livro é o que acontecerá depois que ele cair.
Mergulho debochado nos sonhos de ascensão social

Nilo é ao mesmo tempo vítima do seu contexto e algoz de si mesmo. Ele se enfia em uma vida cada vez mais insalubre à medida em que escala novos degraus profissionais, o que torna óbvio que nada de bom sairá desta jornada de um (anti) herói.
O tom empregado por Guerra na narrativa é de deboche. Mas não do tipo mais óbvio, e sim algo mais sutil, como uma piada que se revela aos poucos para quem capta as referências.
A graça, contudo, é a forma com que se desenrolará a sua queda, depois que ele “perde tudo” (a questão é bem mais complexa que isso). Na segunda parte, vamos mergulhando ao lado de Nilo em um novo universo, o do stand-up comedy (!), que, não ironicamente, também já foi visto como um cobiçado meio para se alcançar a ascensão social no Brasil.
Ou seja, ao sair de um sonho duvidoso, ele está prestes a cair em outro. Ao criar o espetáculo “Medianismo”, que se apropria justamente das suas desilusões sobre o mundo corporativo, ele parece finalmente se rebelar contra o status quo. A sacada da escrita ferina de Guerra está em nos mostrar que nada é o que parece, e que a rebeldia pode ser irmã da conformação.
Tudo isto é conduzido de maneira fluida e envolvente, por meio de uma narrativa em que o escritor nos mostra o seu talento para a criação de cenas facilmente visualizáveis: é quase possível nos sentirmos dentro do escritório da Lennox, Székely & Königsberg Advogados, paradoxalmente real e paródico, ou no reconfortante Bar do Zé Preto.
Permeado por humor e deboche da mais fina estirpe, O Maior Ser Humano Vivo é uma leitura muito adequada para o transporte público, rivalizando o espaço com os infindáveis manuais que ensinam os tolos a enriquecer.
O MAIOR SER HUMANO VIVO | Pedro Guerra
Editora: Record;
Tamanho: 336 págs.;
Lançamento: Setembro, 2024.
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