Tem uma expressão chavão que diz que um ator talentoso é aquele que é capaz de fazer rir, mais do que fazer chorar. Fala-se aqui, claro, da complexidade do gênero comédia, que sempre contém um toque de imponderabilidade. Por vezes, a comédia se baseia na novidade, no “susto” de um resultado inesperado de uma piada. Mas ela também faz rir por conta da repetição (nos bordões, por exemplo) – embora tudo que se repete demais, como personagens muito batidos, acaba por perder a graça.
A verdade é que ninguém tem controle absoluto sobre o humor: por mais que haja técnicas que podem ser ensinadas e aprendidas, há sempre uma aposta no escuro. Duas atrações recentes vindas da internet ajudam a pensar um pouco sobre esse mistério do fazer rir. Um deles é o reality show Futuro Ex-Porta, produzido pelo canal de humor Porta dos Fundos em parceria com o YouTube, em que os famosos comediantes promovem uma competição com novos humoristas para entregar a trupe e, posteriormente, quando atingir a fama, largar o grupo (por isso o “ex-Porta”). O outro é também um reality show, LOL: Se rir, já era!, da Amazon Prime, que se apresenta como uma competição inovadora: são 10 comediantes que devem ficar 6 horas numa mesma sala e têm como desafio não rir de seus concorrentes.
É interessante que esses dois programas existam na mesma época, pois eles fazem pensar em diferentes tipos de propostas dentro do humor. No programa do Porta dos Fundos, temos novatos, aspirantes a uma cadeira no panteão dos grandes comediantes da internet.
Já no LOL, são dez nomes já consagrados (ou que pelo menos assim são apresentados) em diferentes nichos da comédia: há os que estrelaram programas “velha guarda”, como A Praça É Nossa e o Zorra Total; há os que ganham a vida fazendo stand-up comedy; há os adeptos da comédia nonsense, muito popular nos anos 80; há os nomes vindos da própria internet, tal como o próprio Porta dos Fundos e outros canais.
O primeiro grupo, portanto, precisa buscar alguma inovação no intuito de construir sua própria marca; enquanto o segundo grupo precisa comprovar que já foi capaz de construiu um legado reconhecível e, claro, competente – que, no caso, significa ser capaz de arrancar risadas de seus iguais.
Os resultados de cada programa são bastante diferentes. Futuro Ex-Porta, de alguma forma, não deixa de ser uma grande homenagem ao Porta dos Fundos, uma produtora que criou um canal gigantesco na internet há quase dez anos e consolidou o que poderíamos chamar de uma nova tradição no ramo, baseado em esquetes curtos e ácidos, sem personagens fixos.
O formato de esquete, com histórias curtas de poucos minutos, não é exatamente uma novidade – já era feito por clássicos como Kids in the hall, um programa canadense que se tornou um cult do gênero, e o Saturday Night Live, que é um ícone da cultura norte-americana. A grande novidade inaugurada pelo Porta dos Fundos tem a ver com a ocupação de um lugar novo, a internet, ao invés de depender da mídia hegemônica, como os canais de TV, ou espaços que acabam nichados a pequenos públicos, como teatros e clubes de comédia. Eles fincaram o pé justamente na “porta dos fundos” em um YouTube ainda em fase de consolidação e amadurecimento para conteúdos como este, e mesmo assim, conseguiram se tornar gigantescos.
O programa é uma “auto-homenagem” porque, na competição, todas as provas realizadas pelos competidores reencenam esquetes ou personagens clássicos do canal. Fica claro que os competidores são fãs e é esperado que “provem” isso: há um momento do programa em que, numa piada, eles são constrangidos por não lembrarem de um quadro do Porta dos Fundos que nunca foi feito.
A verdade é que ninguém tem controle absoluto sobre o humor: por mais que haja técnicas que podem ser ensinadas e aprendidas, há sempre uma aposta no escuro.
O formato do reality é ágil e consegue manter um ritmo bom para um programa disponível na internet. Traz para o elenco de convidados muitos participantes e ex-participantes do Porta, que operam como se fossem treinadores dos novatos. Os selecionados, aliás, também formam um leque vasto das possibilidades dentro da comédia: há os roteiristas que não se reconhecem como humoristas, e há os que tentam construir uma identidade própria dentro do nicho. (Uma curiosidade: o humorista conhecido como Esse Menino, que bombou na internet em 2021, aparece brevemente no primeiro episódio como um dos candidatos que não foram selecionados para o programa).
Uma reflexão trazida pelo programa, também, diz respeito à importância da técnica. O programa une ótimos competidores, mas, na minha opinião pessoal, o maior destaque é de Macla Tenório, comediante alagoana que foi reconhecida o tempo todo como uma novata no ramo. Por ser um reality, a graça passava justamente em ver os momentos de bastidores – em especial, a tensão trazida entre ter que se provar dentro de uma competição deste porte.
Humoristas experientes
Apresentado por Tom Cavalcanti e Clarice Falcão, LOL: Se rir, já era! parte da premissa contrária: por serem eles mesmos conhecidos, os comediantes é que precisam defender-se perante os concorrentes. Precisam provar que conseguem fazer os colegas rir e, por isso, não estão restritos apenas a um grupo de fãs.
A ideia é interessante, pois traz a proposta de uma espécie de ringue de luta entre humoristas consagrados em nichos específicos. Eles ficam confinados em uma sala e obedecem a poucas regras: têm direito a fazer um show que todos são obrigados a olhar (na maior parte dos episódios, eles evitam se olhar nos olhos para não rir). Enquanto isso, são vigiados por câmeras que são monitoradas por dois juízes, Tom e Clarice, que aparecem para dar cartões amarelo e vermelho quando captam alguma risada.
O resultado, no entanto, deixa a desejar, por uma razão bastante simples: o programa não consegue arrancar risadas de quem vê. Talvez por ficarem muito focados entre si, os comediantes não estão em seu “habitat” onde se sentem à vontade. É difícil, por exemplo, achar graça em um stand-up comedy de teatro fora do teatro, e números de comédia nonsense descontextualizados (como o de um sujeito que raspa a cabeça no meio do programa), com o perdão do trocadilho, não fazem qualquer sentido. Uma pena, já que a ideia era bem interessante.
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