Não é de hoje que Matheus Peleteiro é uma das vozes mais sólidas de sua geração. Desde a sua estreia em 2015 com Mundo cão, livro que acaba de ser reeditado, o escritor baiano se revela um dos grandes observadores dos costumes brasileiros. Seu livro mais recente, o volume de contos Nauseado, é a sua obra mais ferina e inteligente. Em 21 relatos, Peleteiro compõe um retrato do Brasil em 2021, um país à beira do abismo e dividido.
Em seus outros livros, Matheus explora as simplicidades da nossa cultura para extrair o sumo das contradições que compõem o quebra-cabeça brasileiro. Os contos que abrem o Nauseado, “A Alavanca” e “Calcinha preta”, são descrições fascinantes das engrenagens sociais que escamoteiam o proselitismo tupiniquim. “Até o último coach” revela a derrota da cultura do empreendedorismo compulsório e da necessidade de que todos sejam um self-made man. São contos que revelam a hipocrisia e a ignorância de um povo eternamente escravizado e colonizado.
Em O Ditador honesto, sátira que publicou em 2018, Peleteiro já tratava da ascensão do conservadorismo e do radicalismo, tema que conseguiu consolidar em “O Último a sair, por favor, apague a luz e me deixe aqui”, que chegou a ter mais de 30 mil downloads na Amazon. O texto é uma análise catártica da decomposição das relações e do apartheid que vivemos todos os dias.
Existe, por trás de sua prosa certeira, uma estocada na fugacidade do prazer e na desconstrução das identidades.
Estética da miséria
Peleteiro, assim como Pasolini, busca sempre a estética da miséria. Existe, por trás de sua prosa certeira, uma estocada na fugacidade do prazer e na desconstrução das identidades. “O indie e o hipster”, “Os Sete pecados literários” e “Literapia” debatem a literatura vista de dentro a partir de um olhar cáustico. É uma manobra corajosa e interessante, que revela o poder combativo do autor.
É impossível olhar para Nauseado e não pensar na aversão desenvolvida pelo diferente. Somos a sociedade do cansaço e do nojo, que transforma a todos no homem camusiano – não o revoltado, mas o indolente d’O Estrangeiro. Nesse cenário, “A Síndrome do fodido” e “Ainda somos os mesmos” se mostram como síntese dessa procrastinação em ser livre, como se o aferrolhamento trouxesse certo comodismo à existência.
Em um mundo cada vez mais pragmático e tecnocrático, em que pessoas viram números e todas as interações são mediadas pela intencionalidade do algoritmo, Nauseado é uma tentativa de resgate, uma busca da essência e do desejo, mas que, por um motivo ou outro, está perdido ou desgastado. Nauseado é um livro dos nossos tempos, sem ser piegas, e que reflete bem os instante sinistros que temos presenciado nos últimos anos.
NAUSEADO | Matheus Peleteiro
Editora: Selo Faça Ocê Mesmo;
Tamanho: 148 págs.;
Lançamento: Dezembro, 2021.