Não foi nenhuma surpresa quando, em 2016, emergiram documentos que denunciavam o veto da ditadura militar aos nomes de Jorge Amado e Drummond para o Nobel de Literatura, em 1967. Jorge Luis Borges e Vladmir Nabokov também não levaram o prêmio por questões políticas (no caso do argentino, foi justamente seu apoio a Perón que o impediu de entrar no rol da Academia Suíça). Passados mais de 50 anos, nenhum escritor brasileiro integrou o panteão nobélico.
Diante dessa ironia, o escritor Jacques Fux concedeu a si mesmo o prêmio, cujo discurso foi transformado em seu mais recente livro, Nobel, publicado pela José Olympio. A narrativa, recheada de sarcasmo e autocrítica, é um retrato do clube literário-político que elege os nomes que se tornaram, em certa medida, imortais.
Em meio a escândalos que complicam a credibilidade do Nobel – do suposto plágio de Dylan, cuja escolha por si só causou polêmica, aos escândalos sexuais recentemente divulgados – Fux expõe as ligações perigosas entre a arte e o poder. É uma empreitada audaciosa e sem deslizes.
Por isso, a medida de tudo, na verdade, é a vaidade dos literatos. “Todo escritor é um amálgama de Narciso e Dorian Gray”, afirma em certo momento do texto. Fux, que é também o personagem, estabelece paralelos – às raias da ironia e do humor negro – entre a genialidade de Kafka, Canetti Kawabata, Mishima e a ignorância de muitos dos escolhidos para se sentar ao banquete de Estocolmo. O suicídio de Hemingway, por exemplo, não é um ato de covardia, e sim de coragem: a coragem de se libertar da glória terrena.
A artimanha de Fux faz do livro algo inclassificável: é difícil encaixá-lo em um gênero.
Evocando Zelig, de Woody Allen, o autor sabe que todo escritor é, na verdade, apenas o duplo de outro – uma reprodução de algo. É impossível passar incólume à era da reprodutibilidade técnica que, hoje, é a era do sample, do remix. Se antes nada se criava, tudo se copiava, em nossos tempos, tudo se reconfigura e se ressignifica na tentativa de se manter o mesmo sendo diferente.
Transgênero
Ao contrário do que possa parecer, Nobel não é um livro sobre o ressentimento ou a inveja, mas sobre as máscaras que dão rosto ao mundo que conhecemos. A artimanha de Fux faz do livro algo inclassificável: é difícil encaixá-lo em um gênero. Chamá-lo de novela ou romance é reduzi-lo; intitulá-lo de conto (longo) é forçar a barra.
Jacques Fux – que já passeou entre a literatura e a matemática, a narrativa em prosa e os quadrinhos – abdica de qualquer classificação e não parece se importar muito esses detalhes catalográficos. O escritor sabe que a literatura é outra.
Na época da pós-verdade, a pós-ficção de Fux ajuda a repensar o que é produzido em termos de literatura. A discussão sobre a autoficção já está ultrapassada. Ela deixou de ser uma teoria e se estabeleceu como uma prática corrente e recorrente que, sim, em alguns casos se tornou uma muleta narrativa para quem não tem uma história para contar.
NOBEL | Jacques Fux
Editora: José Olympio;
Tamanho: 128 págs.;
Lançamento: Abril, 2018.