Borges sempre foi um mestre dos labirintos: soube – como poucos – criar narrativas que enredavam o leitor em paredes intrincadas de palavras e significados. Guardadas as devidas proporções, Paul Auster parece ter herdado o talento para conceber histórias labirínticas. No caso do escritor norte-americano, a peça-chave de sua construção é a questão da identidade – que permeia a maioria de seus livros.
Em Noite do Oráculo, Auster estabelece um paralelo material – possível graças a um caderno vermelho – entre a noção de identidade que assombra Sidney Orr e aquilo que pode se considerar a realidade. Escritor falido e convalescente, Orr consegue voltar à ativa depois de comprar o caderninho em uma duvidosa papelaria do Brooklyn. Como no retrato de Dorian Gray, o pequeno amontado de papel se transforma em um portal que divide o real e o imaginário.
A literatura de Paul Auster é interconectada por temas comuns e obsessões que, como um novelo, ligam personagem a personagem. O bairro do Brooklyn é também cenário comum em seus livros – desde a fabulosa Trilogia de Nova York. De certa maneira, Noite do Oráculo parece fazer parte dessa incursão detetivesca de Auster: Orr precisa também investigar o que está acontecendo e descobrir como parar a sua própria vaidade.
Pelo absurdo e pelo irreal, é sagaz em tratar de temas delicados e sensíveis a todos nós.
Os narradores de Auster são sempre homens no escuro, tateando o que não veem, inconscientes do que os cerca, desesperados na busca por algum ponto de referência. Quando Orr percebe que sua escrita volta a fluir, ele precisa arcar com os custos do que significa colocar sua imaginação do papel. É preço caro a ser pago. “Eu era culpado”, diz Orr à certa altura – já cônscio do que lhe cabe de responsabilidade sobre os fatos que escreve e torna palpáveis.
Inconsciente
Em uma entrevista recente ao jornal português DN, Auster declarou: “os meus livros vêm do inconsciente.” Parece ser a mesma “fórmula” lynchiniana de criação artística. Não é de duvidar que o autor de Viagens no scriptorium consiga estabelecer o fio condutor de suas histórias em um nível cerebral diferente dos demais. O próprio escritor acredita que “não somos nós que escolhemos a atividade, somos escolhidos.” E isso explica muita coisa.
Pelo absurdo e pelo irreal, é sagaz em tratar de temas delicados e sensíveis a todos nós. Se Roth, por exemplo, tem fissura pela questão judaica, Paul Auster prefere o caldeirão cultural que é a sua Nova York – é um chinês quem vende a Orr o tal caderno vermelho – para criar um mosaico interessante e seguro, capaz de cativar o leitor mais incauto.
NOITE DO ORÁCULO | Paul Auster
Editora: Companhia das Letras;
Tradução: José Rubens Siqueira;
Tamanho: 232 págs.;
Lançamento: Maio, 2004.