Nascido em General Carneiro, no extremo sul do Paraná, Atílio Daniel Mattozo revela-se um autor promissor. Sua obra de estreia na literatura, O Amado Assassino de Pedra Branca (2020), é um escrito de leitura rápida e fácil, nestes tempos urgentes em que tudo parece precisar ser consumido logo para dar lugar a outro produto cultural, diante da oferta gigantesca de opções. Mas que fique claro: “leitura rápida e fácil” aqui significa objetividade e não ausência de conteúdo ou de engenhosidade no enlace das situações envolvendo os personagens.
O Amado Assassino de Pedra Branca congrega as qualidades de ser uma obra de vocabulário simples, mas de forte crítica social, caráter universal e, muito provavelmente, capaz de despertar a proximidade do leitor com muitos dos fatos relatados. O título está longe de mergulhar na ironia, uma vez que trabalha a identificação da população com o assassino que nomeia a obra, algo que está profundamente relacionado com o final surpreendente.
A trama escancara o sistema social de uma pequena cidade, cuja engrenagem opera para que uma mulher vítima de agressão do marido seja rapidamente colocada na posição de culpada, enquanto o agressor tende a ganhar ares de indestrutível, poderoso, indomável, intocável e até admirado. Ou amado, enfim. Entre os sentimentos passíveis de nascerem no leitor estão a indignação e o espanto.
A essência da discussão está na violência doméstica, já que o ponto de partida da trama é a agressão de um homem contra sua esposa. Mas as páginas da obra também incluem a parcialidade midiática e suas relações viciadas com o poder; os jogos políticos que mancham instituições; a propagação de fake news; a religiosidade tóxica; o comportamento da massa que se deixa conduzir pela distorção de valores.
A história tende a ‘desenhar’ uma verdade inconveniente e aterradora: pessoas públicas que concentram em si a personificação de algo muito ruim podem até serem vencidas, mas as ideias que elas representam no inconsciente coletivo tendem a permanecer vivas.
A história tende a “desenhar” uma verdade inconveniente e aterradora: pessoas públicas que concentram em si a personificação de algo muito ruim podem até serem vencidas, mas as ideias que elas representam no inconsciente coletivo tendem a permanecer vivas. Ao acompanhar a história de O Amado Assassino de Pedra Branca é possível lembrar da famosa frase do dramaturgo alemão Bertolt Brecht: “A cadela do fascismo está sempre no cio”.
Mattozo identifica-se em sua apresentação no livro como alguém que já “lavou carros, foi soldado no Exército, auxiliar de mecânico, policial militar temporário, assessor de imprensa, religioso, militante político, além de uma enormidade de outras ocupações e experiências, sendo que as reflexões acerca delas possibilitaram o surgimento” desta sua obra de estreia na literatura. Não é difícil identificar esse conjunto de “ocupações e experiências” do autor no rol das situações vividas, direta ou indiretamente, por seus personagens.
Mas do nível micro, da inspiração coletada da experiência individual, nasce uma reflexão de nível macro e caráter universal, conforme já mencionado. Difícil não perceber que sua Pedra Branca é um recorte do Brasil atual. Se ainda resta alguma dúvida disso, basta recorrer ao que a própria apresentação do livro expõe, informando uma das estratégias narrativas: “É tudo ficção e só poderia acontecer em Pedra Branca, mas, de qualquer forma, os personagens da trama não têm descrição física, para que o leitor possa, se quiser, associar a eles imagens de pessoas reais que possam se encaixar no perfil”.
O AMADO ASSASSINO DE PEDRA BRANCA | Atílio Daniel Mattozo
Editora: Autografia;
Tamanho: 102 págs.;
Lançamento: Outubro, 2020.