Um dos nomes mais aclamados da literatura norte-americana contemporânea, vencedora do Man Booker International Prize de 2013, adorada por autores como Jonathan Franzen e reconhecidamente uma contista de mão cheia. Isso apenas para resumir o currículo de Lydia Davis, que em seus 40 anos de carreira criou obras onde poesia, filosofia e a prosa dividiam espaço, criando recortes de vidas e do cotidiano com um leve toque de humor.
Tudo isso fazia de O Fim da História, seu primeiro romance, escrito em 1995 e somente agora lançado no Brasil, com tradução de Julián Fuks, uma obra imperdível. E ainda que o tempo verbal possa suscitar a impressão de que a leitura não foi agradável, já adianto que foi. O estilo de Davis é bastante impressionante, principalmente porque ela cria sua obra mascarando com uma simplicidade que engana o mais cascudo leitor. Acontece que isso, de certa maneira, pode deixar quem se aventura na leitura de O Fim da História bem despreparado, chegando ao ponto de terminarmos o livro e precisarmos de uns dias para digeri-lo.
Então não estranhe se ao final do livro você tiver a impressão de que não o compreendeu. Parte desta sensação é causada pela forma interessantíssima com que a escritora fusiona sua prosa com a filosofia, acrescentando texturas e observações sobre o cotidiano que podem nos pegar desprevenidos.
O estilo de Davis é bastante impressionante, principalmente porque ela cria sua obra mascarando com uma simplicidade que engana o mais cascudo leitor.
Em O Fim da História, uma narradora sem nome faz um passeio pela memória, revisitando um antigo caso de amor que acabou há um bom tempo. Ao longo deste trajeto, notamos todas as ranhuras desta narradora, um tanto autossuficiente, tratando seu companheiro, Vincent, de forma totalmente desinteressada, quase provocativa. Mas o sentimento que ela nutre por ele é um tanto dicotômico, crescendo principalmente quando à distância, nos seus momentos de ausência. E esse egoísmo vai ficando evidente a cada virar de página, em que a narradora não esconde que saber que ele estaria disponível, às vezes, era mais importante do que ele estar ao seu lado.
E é com o fim do relacionamento que essa obsessão se aprofunda, principalmente porque ela não o aceita. Como forma de lidar com esses conflitos (e essa obsessão) ela decide tornar suas memórias em um romance, permeando cada página dos escombros com esse relacionamento, em que a imprecisão de sua memória por vezes lhe trai.
Em partes, é preciso dizer que a opção por contar uma história em que uma escritora compõe uma obra a partir de suas memórias, e que também são a obra da própria Lydia Davis, acaba por vezes dando uma bagunçada na mente, inclusive porque a narradora retorna às histórias que já contou algumas vezes e as narra de maneira ligeiramente diferente, nos enredando em uma redoma de incertezas. Mas há de lembrarmos que é alguém assumidamente com problemas para construir um encadeamento de memórias, o que faz com que perdoemos esse excesso de idas e vindas. Por último, e não menos importante, o enredo de Davis é extremamente original.
Saímos do lugar comum em que homens estariam agindo neuroticamente atrás de seus antigos relacionamentos e somos jogados nos braços de uma protagonista que faria qualquer stalker soar um amador. Por meio de suas recordações ficamos sabendo de quantas vezes ela perseguiu Vincent até seu trabalho, quantas noites ligou para a casa dele inúmeras vezes (além de outras tantas em que a impediram) e até o dia em que o espionou através da janela. E a forma super desavergonhada em que a narradora nos conta esses detalhes, ainda que com pequenas lacunas, gera um misto de raiva e pena.
O Fim da História trata, por fim, de como lidamos com nossas memórias, posto que ao final o que resta de nós é o que esses fragmentos nos contam, e nem sempre eles serão tão coniventes com o que fomos na vida.
O FIM DA HISTÓRIA | Lydia Davis
Editora: José Olympio;
Tradução: Julián Fuks;
Tamanho: 210 págs.;
Lançamento: Maio, 2016.