Instigante desde o título, O frágil toque dos mutilados distribui-se em 28 dias, cada qual descrito em um capítulo específico do livro que começa in media res, convidando, de imediato, o leitor a ser testemunha de uma calorosa cena, para só depois trazer de volta a ordem cronológica da história.
No primeiro dia do romance, Magnólia, a inesquecível protagonista, viaja de trem em direção a casa do irmão, Orlando. Junto com seu marido Herbert, estudioso de Virginia Woolf, a enóloga chega ao litoral para hospedar-se em frente ao mar, elemento fundamental e bastante expressivo no desenrolar da narrativa. Depois de muitos anos sem encontrar o irmão, ela retorna ao lar, promovendo um reencontro entre dois personagens notavelmente conturbados. De imediato, nota-se que as relações familiares são a pedra angular de O frágil toque dos mutilados.
A ideia do retorno ao seio da família após longo período de distanciamento afeta a condução dos acontecimentos e o desenvolvimento de todas as personagens do livro. Aliada a ela está a incontornável influência do local sobre as pessoas que ali se encontram. O contato constante com o mar, suas águas instáveis, intranquilas, surpreendentes e maleáveis, atua ativamente sobre o modo com que elas se relacionam umas com as outras. Refletem-se em suas atitudes as tormentas, ressacas e oscilações marinhas, sobretudo em Magnólia, indubitavelmente a figura mais imponente do romance – e quiçá uma das mais potentes e marcantes personagens da literatura nacional contemporânea.
É mormente pelo contraste do relacionamento absolutamente imprevisível com os irmãos, Orlando e Elisa, que Magnólia demonstra seu melhor e seu pior lado.
Seu caráter forte e, muitas vezes, irritante justifica-se pelas descobertas feitas no correr da narrativa, além de revelar-se um grande mérito do autor, demonstrando sua excelente capacidade construtiva. Lidar com Magnólia, ainda que isso se dê por meio da leitura de uma obra ficcional, é como pisar em ovos. O acesso a seus pensamentos e sensações expõe uma humanidade assustadoramente real, tomada por conflitos que configuram uma espécie de labirinto interno ao qual somos convidados a adentrar. Uma vez ali, é quase impossível desvencilhar-se dos obstáculos do caminho.
É mormente pelo contraste do relacionamento absolutamente imprevisível com os irmãos, Orlando e Elisa, que Magnólia demonstra seu melhor e seu pior lado. Os três, assustadoramente diferentes, apesar dos perturbadores traços de unidade, devem lidar não apenas com as discrepâncias entre eles, mas também com seus choques internos. O outro é sempre um problema, ou ao menos um mistério, ainda mais quando não se pode contar com um refúgio interior seguro onde se esconder. Os personagens de O frágil toque dos mutilados caminham a passos trêmulos, um pé na trilha da alteridade, um pé na estrada de si mesmo.
Banhando com o vai-e-vem do mar todos os elementos constituintes da narrativa, Alex Sens aproveita o movimento das águas também como base formal à sua escrita. O autor equilibra o tema pesado e a linguagem fluída, reproduzindo a ilusória percepção de calmaria da superfície que, em mergulho, revela-se profunda, por vezes apinhada de perigos escondidos sobre as ondas. Do mesmo modo é a narrativa de O frágil toque dos mutilados.
Só quem o lê descobre sua verdadeira profundidade e é capturado pelas redes da história que, embora aprazível de se ler, é um mergulho intenso pelas marés de uma família complexa. Ainda há tempo para o leitor tomar fôlego e apertar o colete salva-vidas no corpo antes da submersão nos próximos dois volumes que serão lançados e comporão a trilogia de Magnólia.
O FRÁGIL TOQUE DOS MUTILADOS | Alex Sens
Editora: Autêntica;
Tamanho: 416 págs.;
Lançamento: Abril, 2015.