Um desejo pode ser qualquer ideia que vem à mente, processada, trocada, mudada, até descartada como um papel qualquer recebido na rua, ou engavetada sem compromisso, dá pra largar em cima do balcão, debaixo da guarita, ninguém vai notar mesmo. Precisaria de muita falta de sorte ou de um acidente pra alguém topar com essa “ideia” semi guardada, não pela importância dela para quem a mantém, qualquer preparo de quando a compartilhar, medo de ferir quem a ouça, nada de filosofias. Apenas guardar.
Às vezes, Desidério parece assim. O protagonista de Pequena Biografia de Desejos, primeiro romance do curitibano Cezar Tridapalli, lançado em 2011 pela 7 Letras, pode dar essa impressão quando se olha para ele de fora. Sua pose tranquila, as expressões lacônicas, e também um jeito meio simples de agir parecem de alguém sem ambição alguma. É quase como se ele não fosse notado, mas sem fazer esforço algum para isso acontecer.
Sua vida parece conduzir a uma sensação de marasmo. Um casamento “estável” com Macária, uma mulher inexpressiva entocada na própria rotina vendendo coisas de casa em casa, com pouco tempo e vontade pra falar qualquer coisa com o marido, mas muito boa ouvinte de fofocas e apreciadora de uma boca livre por aí. Tem o tio Cevício, um militar casado com a carreira e divorciado do mundo, se impondo pela hierarquia (imaginária) e pela presença (real) na vida do sobrinho, mas com uma insistência em falar o quanto pagou em presentes idiotas equivalente ao suposto auxílio prestado. Também tem o pai fechado em si mesmo após um evento de família, cuja presença é quase invisível graças a sua falta de fala e de ação, com atos cotidianos guiados pelo filho, mas se Desidério não se mexesse com isso também faria pouca diferença, o pai continuaria imóvel e nem ia sussurrar.
Quando a gente conhece mais do personagem, descobre que Desidério nem sempre foi uma criatura dada às falas curtas e baixas.
Quando a gente conhece mais do personagem, descobre que Desidério nem sempre foi uma criatura dada às falas curtas e baixas. Uma soma de acontecimentos de anos antes da época em que o romance acontece conta a superfície de sua vida, desde o casamento com Macária, a relação com o pai e o começo do trabalho. Se não fosse tudo isso, ele jamais teria parado na guarita do condomínio, cujos moradores cumprimenta com sem qualquer emoção aparente, às vezes se perguntando o que um e outro fazem de suas vidas no meio daquele lugar onde não acontece nada.
Ou quase. Uma vez deu um incêndio no apartamento de um professor, sujeito de nariz e sobrancelhas empinadas e com pinta de importante, e sobrou para o Desidério se livrar de um monte de tralhas que o professor deixou no lixo. O protagonista estranhou aquele tanto de material, acabou olhando mais de perto… nem tudo estava realmente destruído. Tinha muito livro inteiro no meio da pilha de descarte do professor. Aí o Desidério teve a ideia de pegar alguns para ler, acompanhar as falas e histórias de outros pelas páginas. E, depois de umas leituras, quem sabe escrever umas linhas, como a materialização de um desejo que ele nem desconfiaria ser capaz de ter, enquanto acompanhamos sua convivência (falsamente) banal com o mundo exterior e seus sonhos internos; e com eles suas respostas às novas sensações, divididas entre a estante improvisada de sua casa e um caderno escondido na sua guarita.
PEQUENA BIOGRAFIA DE DESEJOS | Cezar Tridapalli
Editora: 7 Letras;
Tamanho: 220 págs.;
Lançamento: Janeiro, 2011.