A sensação de que o mundo está entrando em ruínas é fremente entre nós. E esse apocalipse pode estar chegando por meio de epidemias (como a de COVID-19) ou de fenômenos supostamente naturais (como as atuais enchentes no Rio Grande do Sul). A degringolada final, no entanto, se inicia com o desmoronar de nossas casas – internas e externas.
O romance Quando os Prédios Começaram a Cair (editora Todavia, 2023), do autor gaúcho Mauro Paz, é uma distopia que consegue capturar esse sentimento de tensão permanente de que algo está chegando ao fim. Ambientado em São Paulo, ele imagina um cenário em que os grandes prédios comerciais e residenciais começam a desmoronar – primeiro na cidade, mas também em outras partes do mundo. Edifícios como o Copan, o Martinelli e Itália vão aos poucos caindo, um a um, sem que ninguém saiba exatamente o porquê.
Mas a obra de Paz acompanha esta derrocada em massa a partir da vida de um indivíduo. Solano, um mineiro, vive uma vida simples: mora em um prédio na República controlado por milicianos e trabalha eventualmente como cuidador de cães. Aparentemente, sua única satisfação é receber a visita de Georgia, uma moça que conheceu em um aplicativo de namoro e com quem faz sexo às terças e às quintas.
Acontece que, um dia, Georgia para de vir. Ao mesmo tempo, fora do apartamento de Solano, tudo começa a desmoronar, acompanhando um movimento destrutivo que já vinha sido carregado dentro dele. Aos poucos, entendemos que a solidez que ele antes acreditava ter era apenas uma ilusão.
Um diário do fim do mundo
Quando os Prédios Começaram a Cair se destaca por um ritmo frenético e caleidoscópico, organizado em capítulos curtos que prendem o leitor.
Quando os Prédios Começaram a Cair se destaca por um ritmo frenético e caleidoscópico, organizado em capítulos curtos que prendem o leitor. A história de Solano tem algo de labiríntica: de maneira não cronológica, o romance vai nos entregando aos poucos o que ocorreu na vida daquele homem para torná-lo tão vazio de sentidos.
Contudo, o vazio de Solano não é apenas dele. A trama parece ter sido ambientada em São Paulo não à toa, uma vez que o cenário competitivo e alucinado de trabalho (com muitas cenas envolvendo a famigerada região da Faria Lima) se torna uma chave para entender como um mundo que não para esconde, no fundo, uma ausência de tudo. Corre-se sem parar em prol de objetivos que nunca chegam, tal como um hamster em uma roda infinita.
Enquanto isso, a marcha alucinada da metrópole nos cega para o fato de que não se chega a lugar algum, pois não há satisfação possível nessas conquistas do mundo capitalista. Todas as certezas que outrora se considerava consolidadas – como de ter uma carreira definida, a noção de masculina e, sobretudo, a posse de uma casa, o grande símbolo coletivo da estabilidade – começam a se mostrar frágeis feito um castelo feito de areia.
Mas há vida que se esconde nas frestas, nem que seja por meio de uma obsessão que prega uma centelha no interior de Solano. Georgia, dessa forma, aparece como um sopro de esperança de que talvez haja conexão e sobrevivência possível. Ao procurá-la pela cidade, estaria ele buscando a si mesmo? Um sentimento realmente orgânico e vivo, frente às ilusões de uma cidade de pedra? Ou estaria apenas sendo um homem ridículo?
Quando os Prédios Começaram a Cair não resolve todas essas questões, provocando o leitor a mergulhar na polissemia da obra. De todo modo, Mauro Paz conduz habilmente a narrativa até o final com ares de thriller, mantendo o leitor preso em um suspense que é tão angustiante quanto real. Parece ser uma obra determinante para dar concretude ao mal estar coletivo em que vivemos.
QUANDO OS PRÉDIOS COMEÇARAM A CAIR | Mauro Paz
Editora: Todavia;
Tamanho: 192 págs.;
Lançamento: Outubro, 2023.
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