Sei que o título é bem ingênuo e a capa não ajuda muito, então o que realmente me levou a encarar A Realidade Devia Ser Proibida, de Maria Clara Drummond, publicado pela editora Companhia das Letras, foi a sinopse interessante do livro, que pode ser resumida mais ou menos assim: uma jovem rica revirando os podres da elite brasileira e traçando o retrato íntimo de uma geração. Ora, com tanto livro contemporâneo sobre pobreza e violência, achei bem bacana alguém estabelecer um contraponto, que no fim das contas poderia inclusive ironicamente se aproximar dos romances clássicos, naquele lance de destrinchar a soberba e as intrigas da burguesia etc.
O problema é que num livro, espera-se que o debate e a contextualização sejam mais complexos do que aquilo que você vê numa revista juvenil ou na novela das oito e, em A Realidade Devia Ser Proibida, Maria Clara esbarra numa superficialidade que é consciente, mas que contamina não apenas a linguagem, como também a estrutura narrativa. Afinal, o papo de que praticamente todo rico é fútil e babaca e não se importa com ninguém é um tantinho assim reducionista, não? Maniqueísmo funciona em literatura especulativa e na infantil, mas em outras paragens pode ser um puta defeito, pois aí você acha que está escrevendo um livro da Jane Austen, mas na verdade está escrevendo um episódio de Revenge. Neste livro, parece que a qualquer momento vão aparecer os jogadores de futebol americano ricos e malvados sacaneando os nerds pobres de aparelho nos dentes.
Ao dar voz à jovem narradora (o livro é em primeira pessoa), a autora tenta replicar a linguagem da internet para dar mais veracidade ao que é dito. Funciona. Funciona e irrita, já que é um pouco difícil torcer por Eva (nome espertinho, hein? Entendeu? Entendeu?) quando ela diz “Nesse período eu provavelmente estava apaixonada por algum boy”, ou “dentro da galeria onde estava tendo esse opening. Aí conversei com ele, uma figura muy exótica (…) Aquela conversa foi uma experiência for a lifetime”, ou ainda quando ela usa o til ~para avisar que está sendo irônica~ e cita intelectuais e marcas famosas a cada parágrafo. Haja paciência, nem as personagens de Gossip Girl são tão insuportáveis. Não quero dizer com isso que a autora escreve mal, longe disso, ela escreve muito bem, e consegue fazer com que a protagonista pareça “de verdade” naquele mundinho, com uma voz própria, etc. Trata-se de uma opção estilística consciente da autora, que deve funcionar com muitos leitores, mas não comigo. Não mesmo.
Maniqueísmo funciona em literatura especulativa e na infantil, mas em outras paragens pode ser um puta defeito.
As coisas pioram, pois qualquer possibilidade de profundidade que surja durante a narrativa, já que até a ironia é explicada, acaba sendo suplantada pela narradora, que nos impede de pensarmos por nós mesmos e sai palestrando sobre tudo, pois, sabe como é, apesar de muito insegura e deslocada, ela é sensível e inteligente, diferentona, etc. Por exemplo, quando você percebe que o lance dela com o cabelo já está quase fazendo a metáfora ficar meio constrangedora, de tanta repetição, a autora vem e: “É por isso que você tem essas travas e inseguranças, dissertava Manoel (…), você tem muita necessidade de controle. O cabelo precisa ficar controlado…”. Ok, acho que agora a gente entendeu.
Há todo um clima de denúncia, de “olha aqui como somos todos fúteis e vazios, vou revelar nossa podridão” que não impressiona nem leitor da Capricho, pois não avança, fica no meio termo, como se soltar palavrão e falar em chupar pau fosse rebeldia. A ideia para a construção dessa história foi um grande acerto, pois julgo como bem relevante e pretensiosa, mas parece-me, enfim, que faltou coragem e intensidade na exploração do tema, que poderia funcionar muito bem se fosse tratado de uma maneira mais ácida e ~menos óbvia~.
A REALIDADE DEVIA SER PROIBIDA | Maria Clara Drummond
Editora: Companhia das Letras;
Tamanho: 112 págs.;
Lançamento: Outubro, 2015.