Um encontro (quase) casual entre duas lendas do rock britânico em um pub de Manchester quase fez com que uma das maiores bandas voltasse à ativa no final de 2008. A história permaneceu em segredo até que Johnny Marr a revelasse em Set the boy free, autobiografia lançada no final do ano passado na Europa e ainda inédita no Brasil.
A conversa com que teve com Morrissey morreu ali, na mesa do bar, e o The Smiths nunca se reuniu, mas serviu para ser um dos trechos mais interessantes e intrigantes do livro. “Seria muito bom e faria bastante gente muito feliz”, comenta.
Com um estilo de conversa entre amigos, Marr repassa toda a sua vida – em um escrutínio autoconsciente e sem parecer ter o mesmo rancor de Mike Joyce, baterista do grupo, e de outras pessoas envolvidas com seu trabalho musical.
Set the boy free é um trabalho competente de memória, com uma narrativa sedutora e muito mais fluída que a de seu ex-parceiro. É espantosa a maneira como Johnny conta os episódios de sua vida, fazendo com que não pareça o dia a dia de um rockstar: Marr está muito mais para pai de família despojado, que para o compositor de “Hand in glove” ou de “There is a light that never goes out”.
Talvez, o que mais possa ser louvável em seu texto é que Marr consegue se distanciar daquilo que o escritor e professor Assis Brasil chama de ‘autobiografia como forma de ficção’.
Capítulo a capítulo, o leitor encontra pequenos trabalhos hercúleos e, claro, o maior deles foi tentar manter sua banda em pé após os problemas internos. Claro, não foi possível. O amor incondicional por Angie, sua companheira desde a adolescência, ou a relação com os filhos são um hino de louvor às pessoas – algo que não existe em Autobiography, publicada por Morrissey, em 2013.
Ao contrário do que se possa imaginar, o livro consegue manter o interesse do leitor do começo ao fim – despertando novos olhares para tudo o que o guitarrista fez antes e depois de montar o The Smiths. Suas participações no The The, no The Pretenders, no Modest Mouse e no The Cribs ganham destaque e relevam o carinho que o músico teve – e ainda tem – pelos seus ex-companheiros.
Linha do tempo
Set the boy free é um relato romântico e detalhado. Marr cria uma linha temporal e muito bem construída, revelando bastidores e entregando aquilo que se espera – ainda que não esmiúce música por música ou disco por disco (para isso existe a Mozipédia). No entanto, entender que Johnny foi um prodígio ao compor a parte mais importante de sua obra muito antes dos 25 anos – como um Rimbaud menos aventureiro.
Talvez, o que mais possa ser louvável em seu texto é que Marr consegue se distanciar daquilo que o escritor e professor Assis Brasil chama de “autobiografia como forma de ficção”.
SET THE BOY FEE | Johnny Marr
Editora: Century;
Tamanho: 480 págs;
Lançamento: Novembro, 2016.