Vamos pular aquela parte das comparações com Rubem Braga ou com Paulo Mendes Campos, aquela introdução sobre crônica ser o gênero mais brasileiro e vamos direto ao assunto: Antonio Prata é um dos melhores cronistas da atualidade. E esse “um dos” só está aí, pois temos um senhorzinho lá no Rio Grande do Sul que carrega, com toda justiça, o cetro deste reinado.
O fato de Antonio Prata escrever muito bem poderia fazer com que sua família erguesse uma faixa escrito “Não fez mais do que a sua obrigação” em sua festa formatura, já que o escritor comete crônicas há algum tempo e tem espaço em um dos jornais de maior circulação do país. Mas o caso é que ele de fato está um degrau acima de muitos de seus pares, dada a sua visão de mundo bastante sensível e, principalmente, eu seu humor afiado.
Trinta e Poucos, lançado recentemente pela editora Companhia das Letras, é uma coletânea de crônicas que foram publicadas ao longo dos últimos anos na Folha de São de Paulo. Entre as dezenas de textos, temos desde uma profunda reflexão sobre um cara cortando a unha na praia, “Isso não é um dedão do pé, é uma declaração de princípios”, até elucubrações a respeito de uma jarra numa mala de viagem, “Está provado que os homens casados vivem mais. Está provado que as viúvas são mais longevas que os viúvos. Não fosse a metade delicada e cheirosa da espécie, nós, os ogros, nos acabaríamos em costelinhas de porco e cerveja, de pijama e barba por fazer, assistindo campeonatos de vale-tudo na televisão. É diante de um desses limitados primatas que jarra emerge, portanto, no meio da mala, com o monólito em 2001: Uma Odisseia no Espaço – um exemplo de harmonia, uma promessa de ordem, progresso e beleza”.
O humor impera na maioria dos textos, mas é justamente quando resolve falar sério que Antonio Prata consegue alcançar os seus melhores momentos.
Em Nu, de Botas, Prata já tinha demonstrado ter uma visão bastante particular a respeito de sua infância, agora estas recordações se misturam ao presente, com a chegada de seus filhos. A paternidade é um tema recorrente ao longo de Trinta e Poucos e em “A Metamorfose – com barreiras”, temos aquele que é um dos textos mais simples e ao mesmo tempo mais inventivos do livro. Trata-se de um pai tentando ler a obra-prima de Franz Kafka ao mesmo tempo em que precisa cuidar de sua filha pequena, “’Quando certa manhã (…).’ Olivia, que que cê tá pondo na boca? Dá aqui! O pai já falou! Não é pra por o Lego na boca! ‘Quando certa manhã Gregor Samsa (…).’ Que, filhota? Cocô? Deixa eu ver essa fralda. Não, não tem cocô. ‘Quando (…).’ Ah, coco! Água de coco!”.
O humor impera na maioria dos textos, mas é justamente quando resolve falar sério que Antonio Prata consegue alcançar os seus melhores momentos. “Recordação”, a segunda crônica da coletânea, é uma daquelas bordoadas de fazer muito marmanjo ficar com os olhos marejados. A triste conversa entre um passageiro e um taxista revela aquilo que há de melhor numa crônica, a capacidade do escritor em captar a poesia presente no cotidiano mais banal, ali naquela rua que faz esquina com a falta de assunto. O texto “Sozinho” também é um belo exemplo desta percepção apurada da realidade, ali o autor faz uma reflexão a respeito da morte a partir de um incidente num ponto de ônibus. O resultado é um nó enorme que fica preso na garganta do leitor.
Trinta e Poucos é aquele tipo de leitura que passa voando. Num momento você está suando pelos olhos com a história do motorista que perdeu a mulher, ou está emocionado com alguma descrição singela da relação entre pai e filha e no minuto seguinte já está gargalhando com o escritor abraçando uma árvore e sendo flagrado por um conhecido. Escreve como poucos esse Antonio Prata, tá aí um bom livro pra sair presenteando os amigos.
TRINTA E POUCOS | Antonio Prata
Editora: Companhia das Letras;
Tamanho: 232 págs.;
Lançamento: Julho, 2016.