Questões de identidade não são novidade na literatura. De Kafka a Dostoiévski, muitos autores exploraram o tema à exaustão, talvez jogando com a noção de realidade, talvez sabendo que é impossível chegar a uma única conclusão. Um Gato Chamado Borges, romance de estreia do catarinense Vilto Reis, prova que as possibilidades não estão esgotadas – não ainda.
O livro é um grande prisma de narrativas que se cruzam e se permeiam na cidade litorânea de São Brandão. O lugar, que se assemelha o vilarejo citado por Morrissey em “Everyday is like sunday”, parece ter conseguido se livrar da aniquilação divina e humana, porém, sua danação é uma onda misteriosa de suicídios.
Vilto, assim como Daniel Galera em Barba Ensopada de Sangue, narra a vinda de um sujeito cosmopolita para a litoral. João Meireles chega a São Brandão para ser locutor em uma rádio local e acaba se interessando pela sucessão de mortes que acomete o lugar. Aos poucos, ganha notoriedade no cenário nacional como escritor. Acusado de plágio, ele precisa contar a Arturo, um jornalista da capital, a história por trás dessa suspeita.
Essa trinca de influências confere ao livro uma aura única e, ao mesmo tempo, segura.
O plot, apesar de simples, se desenrola de maneira complexa, com os moradores de São Brandão se debruçando em suas próprias crises. Os labirintos – físicos, emocionais e simbólicos – foram retirados de Borges, obviamente, Murakami e Paul Auster. Há, como se pode imaginar, um quê detetivesco, uma busca perpétua pela verdade. Essa trinca de influências confere ao livro uma aura única e, ao mesmo tempo, segura.
A atmosfera do livro ganha voz, literalmente, por meio da linguagem, um amálgama do tom coloquial e planejado, o cul-de-sac do romance. Ainda que Reis emule construções simplistas de diálogos e narrativa, existe certo preciosismo na elaboração do texto – o que o leva para longe de uma possível identificação teen, por exemplo, algo sempre perigoso.
A revolta metafísica
Os personagens de Um Gato Chamado Borges passam por aquilo que Camus chama de revolta metafísica e se debatem contra a sua própria natureza. Mesmo em figuras menores no romance, como a estranha e problemática Camille (a dona do tal gato), que tenta fugir de si mesmo e de seu passado, é possível identificar essa negação.
Para Vilto não existe diferença entre os dedos e os anéis: todos são estrangeiros e distantes, cada qual em um exercício perpétuo de autopreservação. No final das contas, as mortes são a ponta de um iceberg, uma maneira de levar o leitor para uma visita à bela e pacata São Brandão.
UM GATO CHAMADO BORGES | Vilto Reis
Editora: Nocaute;
Tamanho: 129 págs.;
Lançamento: Dezembro, 2016.