O DJ da BBC, Steven Wright, anunciar o acidente em Tchernóbil, em 1986, e logo depois tocar uma música do Wham!, duo pop de George Michael, foi o estopim para que Morrissey e Johnny Marr desejassem a sua morte. A situação deu origem à canção “Panic”, single stand-alone do mesmo ano e que terminava com um coro de crianças gritando “enforque o DJ”.
Vozes de Tchernóbil não é somente um relato oral da tragédia, mas também um manifesto de sobrevivência.
O incêndio no reator, ocorrido em 26 de abril, mudaria para sempre a relação do homem com a energia nuclear. Um ano antes, a Central Nuclear de Angra dos Reis era inaugurada – cenário que serviu de inspiração para a apocalíptica canção que leva o mesmo nome da cidade fluminense, composição da Legião Urbana.
Três décadas mais tarde, os relatos que a jornalista Svetlana Aleksiévitch, ganhadora do Nobel em 2015, ainda evocam o terror vivido pelas famílias atingidas pela radiação. Vozes de Tchernóbil não é somente um relato oral da tragédia, mas também um manifesto de sobrevivência – não dos corpos, que apodreceram rapidamente, e sim da memória de homens, mulheres e crianças ucranianos afetados pela radiação e pela negligência do governo da então União Soviética.
Quem não sucumbiu às fortíssimas ondas radioativas às quais foram expostas propositalmente, acabou por levar sequelas para toda a vida. Mais comovente que as história das viúvas dos bombeiros acordados no meio da noite para apagar as chamas na usina, são as lembranças daqueles que, contra todas as expectativas, sobreviveram e carregaram consigo doenças, paranoias ou a certeza de que, em algum momento, a radiação há de lembrar deles.
Tragédia
Considerada, de acordo com a Escala Internacional de Acidentes Nucleares, um acidente de grau 7, o mais alto, a tragédia em Tchernóbil foi a pior já registrada envolvendo energia nuclear. Ainda assim, é possível que as 31 mortes diretas causadas pelo desastre, e as 15 indiretas, ou a evacuação de 50 mil habitantes não pareça algo tão grandioso se comparadas às nossas desgraças contemporâneas. Na nossa escala de preocupação, o vazamento de dados do Facebook, o escândalo da Cambridge Analytica ou a enxurrada de fake news sugerem perigos e danos maiores, já que lidam com egos, imagens e status.
Como contraponto à era da vaidade, ou do cansaço, como diria Byung-Chul Han, Aleksiévitch humaniza as vítimas. Pode parecer óbvio, porém, Tchernóbil está muito mais para um evento histórico distante que para uma catástrofe que pode se repetir – como aconteceu em 2011 no Japão. Impressiona, e choca, entretanto, a leveza que autora consegue promover por meio dos relatos.
Ao contrário do que se possa imaginar, Vozes de Tchernóbil não é uma emaranhando de mágoas ou ressentimentos, entrementes, é impossível fugir aos gritos de justiça. Sem demagogia ou sensacionalismo, Svetlana constrói um livro emocionante e histórico, necessário e assustador. A tragédia não tem rosto. Ela tem voz.
VOZES DE TCHERNÓBIL | Svetlana Aleksiévitch
Editora: Companhia das Letras;
Tradução: Sônia Branco;
Tamanho: 384 págs.;
Lançamento: Abril, 2016.