Mario Benedetti (1920-2009) possui uma extensa obra literária, que contempla mais de 80 livros entre romance, poesia, teatro e crítica literária, obras estas que lhe renderam reconhecimento em todo mundo. Nascido na pequena cidade de Paso de los Toros, às margens do Rio Negro, foi educado em escola alemã e fez sua vida passando por diferentes carreiras, atuando como vendedor, contador, funcionário público e jornalista. E essa sua bagagem de vida foi crucial na elaboração de sua literatura tão ímpar no contexto latino.
Se seu primeiro romance, Quem de Nós (Record, 83 págs. – publicado originalmente em 1953), começou a costurar a imagem de um grande escritor, do mesmo garbo que Julio Cortázar e Carlos Fuentes, seus contemporâneos, Montevideanos (publicado originalmente em 1959) foi sua consagração enquanto narrador. E é sobre esta obra, editada pela Mundaréu na coleção ¡Nosotros! (tradução de Ercilio Tranjan e Nilce Tranjan), que este texto trata.
À época de seu lançamento, Mario Benedetti já era considerado nome dos mais fortes do que ficou conhecido como “Geração de 45”, movimento literário que sacudiu o Uruguai e contou com nomes como Juan Carlos Onetti, Liber Falco, Carlos Real de Azúa, entre outros. Assim como seus contemporâneos, Benedetti questionava seus predecessores (o que levou a uma ruptura com o imaginário anterior da sociedade uruguaia), a modernização do país e a estrutura da burguesia, a quem denunciava como inoperante e caduca.
Esta pronta identificação, especialmente para nós, sul-americanos, é o que torna esse olhar minucioso do autor uma leitura cativante.
Ao longo de seus dezenove contos, Montevideanos nos apresenta a primeira fase da obra de Benedetti, que ficou marcada por textos realistas, nos quais a crítica social dá o tom, sendo apresentada através de personagens ditos comuns, sobre os quais pesam as consequências de uma vida pobre (ou medíocre, que talvez funcione melhor neste contexto) e que sofre os reflexos da burocracia cotidiana. Com excelência, o autor uruguaio demonstra toda a força e o poder de seu olhar aguçado para a sociedade uruguaia do início da segunda metade do século 20.
Atento aos detalhes, Mario Benedetti rascunha de forma até aleatória a construção das atmosferas que cercam suas histórias, levando o leitor para uma imersão em seu universo literário, tamanha atualidade de muitos de seus contos. Esta pronta identificação, especialmente para nós, sul-americanos, é o que torna esse olhar minucioso do autor uma leitura cativante.
Benedetti entendeu como poucos as idiossincrasias que perpassam as fronteiras da América do Sul, elaborando contos que dialogam com a realidade da maioria dos países que compõe esta região ao Sul do mundo. Obviamente, sua genialidade não se expressa apenas na atemporalidade de seus contos, mas, também, na forma como cria um espaço entre seus objetos de análise (no caso, a sociedade montevideana) para compor cenários em que a crítica surja sem ser contaminada pela proximidade. Não raro, há quem chame esta obra de “a Dublinenses de Benedetti”, em referência à obra de James Joyce.
É necessário pontuar que sua mirada de observador à sociedade local não é traduzida apenas em relatos densos. O autor abre espaço para críticas ácidas, jocosas, em determinados contos até bem-humoradas, que numa análise mais próxima permite que identifiquemos, ao fim e a cabo, que o próprio Benedetti é protagonista, mesmo que faça questão de estabelecer um distanciamento. Isso ocorre, em partes, como resultado de um exame detalhado, unicamente viável em virtude de seu apurado método de observação, que capta detalhes somente claros a ele.
Há, certamente, entre os 19 contos de Montevideanos, alguns que encantam e nos prendem mais que os outros, que nos intrigam ou simplesmente causam certa repulsa. Entretanto, este é um julgamento que cabe a cada leitor (e somente a ele), responsável por garimpar seus preferidos. De resto, cabe a quem se debruça em sua leitura dedicar atenção ao prefácio de Eric Nepomuceno, responsável por dissecar com delicadeza e maestria detalhes sobre este mago das letras.
MONTEVIDEANOS | Mario Benedetti
Editora: Mundaréu;
Tradução: Ercilio Tranjan e Nilce Tranjan;
Tamanho: 168 págs.;
Lançamento: Outubro, 2016.