Mito. Quando originalmente escrevi esse texto, essa palavra aparecia na seção de comentários para celebridades ou pessoas que tenham feito algo admirável. Em outros pontos, aparecia para tratar de histórias antigas. No dicionário, o mito é uma história absurda, inacreditável. Hoje, é possível também a ver relacionada a certos políticos. Mas faltam a essas definições uma vertente indispensável: você lê, assiste, vê ou ouve mitos o tempo todo e eles estão falando de você. O motivo é bem simples: a narrativa mitológica sempre trata da natureza e da essência humana.
O primeiro termo pressupõe tudo aquilo que compõe a vida, as coisas criadas e suas características. Em outras palavras, a harmonia do universo. Já a essência humana, ou a substância da vida, seria a mesma para todos as pessoas. Joseph Campbell, mitólogo, descreve o caminho percorrido na vida como uma passagem do ”túmulo do útero” para o “útero do túmulo” pois, no fim, mesmo que cada história de vida tenha uma parcela de imprevisibilidade, originalidade e perigo, todas as pessoas passam pelas mesmas transformações, já notificadas por todas as civilizações conhecidas. É nessa trilha universal que a mitologia caminha, do amadurecimento do indivíduo, da dependência à idade adulta, depois à maturidade e depois à morte; da questão de como se relacionar com esta sociedade a como relacionar esta sociedade com o mundo da natureza e com o cosmos. Da vida para a morte.
Por isso é possível enxergar os mitos também com algumas funções, como: a cosmológica – ocupada pela ciência, que explica a funcionalidade das coisas; a mística – que trata de abrir os olhos dos indivíduos para os mistérios de todas as formas e da transcendência da vida; a pedagógica – que ensina como viver em qualquer circunstância; e a sociológica – que valida, autoriza ou cria determinados costumes, ritos, crenças, instituições, etc. Nas palavras de Raphael Patai, em seu livro O Mito e o Homem Moderno, “novos mitos criam novos padrões socioculturais e, inversamente, novos costumes e novas situações sociais criam novos mitos”.
Faltam a essas definições uma vertente indispensável: você lê, assiste, vê ou ouve mitos o tempo todo e eles estão falando de você. O motivo é bem simples: a narrativa mitológica sempre trata da natureza e da essência humana.
A primeira aparição da narrativa mitológica tem seu registro datado em 60.000 a.C., quando uma mandíbula de javali foi encontrada junto a um corpo dentro de uma sepultura. Como uma oferenda, o cadáver estava encolhido em posição fetal e simbolizava uma volta ao útero. A presença do sacrifício demonstra a consciência da causa de qualquer sofrimento humano: a própria mortalidade. É este sofrimento o pano de fundo que permeia a maioria das mitologias, principalmente das clássicas, já que a experiência interior do corpo humano, a psique, é essencialmente a mesma para todos: os mesmos órgãos, instintos, impulsos, conflitos e medos. São os arquétipos.
Jung descreve a natureza dos arquétipos como fatores e razões que organizam elementos psíquicos em imagens arquetípicas que só serão entendidas pelo efeito buscado, como um sonho que tenta alertar um desequilíbrio emocional. Apesar de terem uma origem obscura e desconhecida, os arquétipos existem antes da formação da própria consciência e provavelmente formam as estruturas da psique. No entanto, essa composição não é feita apenas pelo conhecimento natural e antepassado, é dividida em duas camadas: a do inconsciente coletivo – que se forma de maneira geral pela experiência humana e que, possivelmente, tem estruturas herdadas ou formadas segundo padrões biológicos gerais – e a do inconsciente individual – que molda os símbolos e as interpretações conforme as experiências que o indivíduo têm ao longo de sua vida e também de acordo com os produtos narrativos que consome.
Independentemente da camada, o arquétipo precisa passar por um processo para ser absorvido e compreendido. As mensagens que os arquétipos inconscientes querem passar, seja por meio de filmes, histórias ou sonhos, precisam ser transformadas em símbolos (a imagem arquetípica). Como um produto do inconsciente, o arquétipo só pode ser revelado quando dialogar com o consciente e perder parte do seu significado, dando abertura para a criação da imagem arquetípica, sem enfraquecer o arquétipo inconsciente. Por exemplo, se o sonho quiser passar a ideia da necessidade de alguma mudança, o inconsciente desconstruirá o conceito e poderá transformá-lo em um andarilho, algum animal ou algum símbolo mais atual – como visto na presença do foguete e do astronauta substituindo o pássaro ou o homem-alado.