Curitiba é um grandiosíssimo labirinto: suas ruas levam aos mesmos lugares e, ao mesmo tempo, não levam a lugar nenhum. As pessoas caminham com rumo certo ou sem rota definida. Tanto faz. Mas o mais importante é a cidade, uma esfinge que se ergue a devorar que não desvenda o seu segredo. Em Passeios (7Letras, 108 páginas), livro de contos do escritor e músico curitibano Carlos Machado, a metrópole é o personagem principal de todos os relatos.
Com narradores habilidosos, o escritor constrói uma voz una, única, onisciente e onipresente percorre e escrutina textos e personagens, fazendo revelações, mas também escondendo o jogo, passando a bola para quem lê, deixando que as percepções e julgamento aconteçam a seu tempo.
Entre “andanças” de São Paulo ao Rio de Janeiro e Manaus, os narradores de Carlos Machado desembocam sempre em Curitiba, ou “curitiba”, como prefere o autor. Os textos são o reflexo da obsessão do escritor com o não-lugar, termo cunhado pelo antropólogo francês Marc Augé, e a necessidade do cidadão cosmopolita de se esconder e se embrenhar na selva de concreto.
Passeios são as asperezas do dia a dia condensadas e diluídas em literatura, observadas por alguém a flanar. Se a Curitiba de Dalton é a cidade dos bares, das zonas e dos “merdunchos” de João Antônio, a Curitiba de Carlos Machado é a Curitiba de gente reduzida a um ponto entre tantos outros, gente que se esconde atrás da pilastra e não cumprimenta o vizinho no elevador – é um retrato contemporâneo e inteligente da inatingibilidade do outro.
Os contos são cíclicos e formam a interessante imagem de um viajante imóvel, arraigado em seus temores de perder a sua identidade, uma identidade que somente ele próprio é capaz de conhecer e perceber.
Como em seu livro anterior, Poeira Fria, Carlos Machado cria uma espécie de sala de espelhos, na qual seus personagens são observados e dissecados pela agudeza do leitor. São pessoas que se transformam em seres selvagens, um homem que acaba envolvido com o crime após uma inocente viagem, outro que consegue deixar de pensar na capital paranaense nem quando cruza a Ipiranga com a São João.
Babel
Para Borges, a biblioteca é o melhor lugar para se perder; para Zambra, é nas outras pessoas; Para o curitibano, e também para Calvino, é a cidade. Em todos os casos, é preciso um labirinto, uma artimanha que prenda e impressa a fuga.
Passeios pontua o lugar impossível, a seta sem alvo, a Babel, a eterna espera por Godot. Os contos são cíclicos e formam a interessante imagem de um viajante imóvel, arraigado em seus temores de perder a sua identidade, uma identidade que somente ele próprio é capaz de conhecer e perceber.