Copo Vazio é uma história sobre abandono. Na verdade, o romance de Natalia Timerman é mais complexo que isso: o sofrimento de Mirela quando Pedro vai embora não tem tanto a ver com a perda do ser amado, mas com a morte de uma expectativa que foi criada. Talvez não haja nada mais humano do que a trama narrada aqui: a perda de um amor (ou pelo menos a perda da sensação de abrir-se para o amor) e ser decepcionado por alguém que some. Todos os seres humanos vivos, que já ousaram se relacionar, devem ter passado por isso.
Ocorre que o “fora” que Mirela leva é aquele típico das famigeradas sociedades líquidas, em que o descarte se torna quase uma regra. Ela não recebe um adeus, mas sim um ghosting, ou seja, um sumiço do amante que, após três meses de um relacionamento que se encaminhava (ou seria apenas a visão de Mirela?), simplesmente para de responder suas mensagens. Mirela é independente, uma arquiteta bem-sucedida, e reconhecida como bonita como todos – ainda assim, ela desmorona quando o objeto de seu afeto desaparece do seu radar, sem deixar rastros. E o que sobra quando o amor se vai? (O que me lembra daquele verso da música do Arcade Fire: “when love is gone, where does it go?”).
Contado por meio de uma narrativa fragmentada, como uma câmera que vai e volta, em Copo Vazio, somos convidados a visitar os diferentes espaços pelos quais Mirela transita.
De alguma forma, me parece que é isso que Natalia Timerman tenta responder em Copo Vazio. O que vemos na “jornada do herói” trilhada por Mirela é uma busca pela compreensão sobre de onde surge esse vazio que Pedro deixa quando se vai – pois, claramente, o sofrimento dela é mais pela perda do relacionamento do que pelo homem em si. O quanto há de idealização e o quanto há de realidade naquilo que Mirela vê em Pedro, e que não consegue evitar de procurar depois que ele se vai?
Como médica psiquiatra e psicanalista, Natalia Timerman tem acesso à subjetividade de uma grande quantidade de pessoas, e parece transportar essa experiência à história de Mirela. Contado por meio de uma narrativa fragmentada, como uma câmera que vai e volta, em Copo Vazio, somos convidados a visitar os diferentes espaços pelos quais Mirela transita, como seu escritório, sua família, as viagens, os relacionamentos casuais que tentam preencher a falta de Pedro, e mesmo o “oráculo” que ela procura para tentar obter alguma resposta. Os espaços não são apenas físicos, mas digitais, como as espiadas que Mirela faz constantemente nas redes sociais de Pedro, tentando descobrir qualquer coisa. É tudo muito ridículo, desesperado – e, por tudo isso, profundamente real.
Uma das grandes qualidades do romance é que ele estabelece uma espécie de jogo com o leitor. Estamos assistindo à história deste relacionamento pela ótica de Mirela, a parte mais envolvida, e assim compactuamos com o sofrimento dela. Por outro lado, é como se Natalia Timerman nos chamasse para buscar as peças perdidas: quais são as pistas no comportamento de Pedro que evidenciavam que ele não estava tão engajado emocionalmente? E por que Mirela (ou todas nós) não queria enxergar esta realidade? E se ela tivesse visto estas pistas, isso deveria ser motivo o suficiente para ela não investir suas fichas nessa possibilidade de encontro?
São questões profundas, claro, e por isso mesmo, permanecem abertas. O fato é que, nesse romance curto de 140 páginas, Natalia Timerman consegue provocar, incomodar e, mais que tudo, fazer entender que toda dor que se sofre é comum a todos os sofredores.
COPO VAZIO | Natalia Timerman
Editora: Todavia;
Tamanho: 144 págs.;
Lançamento: Fevereiro, 2021.