Em O Voyeur (Companhia das Letras, 2016, tradução de Pedro Maia Soares), o escritor Gay Talese traz a história real do empresário Gerald Foos, um homem que por três décadas vigiou os hóspedes de seu motel no interior do Colorado através de buracos no teto.
Ao observar cenas de sexo grupal, homossexual, inter-racial e os fetiches mais íntimos de centenas de pessoas, Gerald preencheu dezenas de diários com suas anotações e realizou até mesmo estatísticas do comportamento sexual, apontando particularidades no sexo com o passar das décadas e retomando constantemente à revolução sexual da década de 1970, um tema já retratado anteriormente por Talese em A mulher do próximo.
Gay Talese, que já havia sido atacado pela comunidade feminista na época de publicação de A mulher do próximo, traz no seu novo livro novamente uma abordagem polêmica e questionável dos fatos. Ao relatar os crimes de invasão de privacidade e negligência cometidos pelo voyeur, o escritor tenta dar uma justificativa psicológica para as transgressões, remontando a infância do personagem e defendendo a tese de que Gerald não era um pervertido e sim que estaria realizando ao longo desses anos uma pesquisa antropológica.
Outro fator que colocou em cheque a qualidade da obra foi a dúvida com relação à veracidade dos fatos, já que, logo após a publicação do livro no ano retrasado, surgiram diversas reportagens apontando furos na apuração de Gay Talese, conhecida por ser impecável até então. Um dos furos diz respeito à data em que os manuscritos do voyeur começaram a ser escritos; em 1966, segundo documentos oficiais, Gerald Foos ainda não era dono do motel. Outro ponto de especulação é com relação ao assassinato presenciado por Foos, do qual a polícia não tem registros.
O Voyeur provoca no leitor questionamentos sobre os limites do privado, sobre ética e moral. No entanto, ocasiona em quem lê um mal estar constante e uma paranoia de estar sendo observado.
A história do voyeur é entediante e puramente descritiva em boa parte do livro. A sinopse vende uma história de assassinato e entrega páginas e páginas de conteúdo explícito e pornográfico retiradas do diário de um homem obsessivo.
Nesse sentido, fica claro para o leitor que Talese esticou uma grande reportagem que tranquilamente caberia em uma revista e a transformou em livro, talvez por um certo apego ao personagem, com o qual o escritor se correspondeu por cartas por mais de 40 anos sem que obtivesse permissão de publicar a história com os nomes reais de pessoas e locais.
O Voyeur provoca no leitor – especialmente em jornalistas – questionamentos sobre os limites do privado, sobre ética e moral. No entanto, ocasiona em quem lê um mal estar constante e uma paranoia de estar sendo observado.
Levando a uma perspectiva macro, Talese chega a comparar as observações do voyeur com a vigilância do FBI, feita através de câmeras e dados eletrônicos, no estilo Big Brother. E dessa maneira deturpada consegue colocar o bisbilhoteiro dono do motel no papel de historiador social, dando a ele permissão para realizar julgamentos morais sobre a privacidade de seus hóspedes.
No posfácio, há uma entrevista muito interessante feita com o autor pela revista Paris Review, intitulada “Gay Talese, a arte da não ficção n.2”, que acerta a mão e consegue dar ao leitor iniciante uma perspectiva geral das obras de Talese.
O Voyeur não é nem de longe o melhor livro do autor, mas, até certo ponto, traz discussões interessantes justamente por conta de sua polêmica. De qualquer maneira, a obra tem seus méritos, traz à tona uma história real e crua, digna da imaginação dos melhores autores de ficção, que nunca teria sido descoberta não fosse a paciência e curiosidade de Gay Talese.
O VOYEUR | Gay Talese
Editora: Companhia das Letras;
Tradução: Pedro Maia Soares;
Tamanho: 272 págs;
Lançamento: Setembro, 2016.
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