A literatura de Dalton Trevisan é uma ode ao silêncio. Se de início o curitibano quase centenário era verborrágico e carregado de uma resistência ao passado – em especial à literatura paranista encabeçada pelos irmãos Júlio e Emiliano Perneta –, no andar do tempo a sua prosa foi se transformando em uma narrativa cada vez mais enxuta e precisa, capaz de descrever em poucas linhas os pecados que recaem sobre seus tantos Joões e Marias, a síntese dos merdunhos do João Antônio.
Dalton criou com seus leitores um jogo de repetição e reescrita por meio dos arquétipos que estabeleceu. Esse processo de eterno retorno firma a obra daltoniana como uma experiência literária singular e radical. (Singular porque consegue extrair do cotidiano banal o inusitado e o extraordinário; e radical por não se ater às convenções da literatura para dar vida à sua obra, contando sempre a mesma história a partir de variáveis poucas.) Se a bossa nova é exaltação de um “Rio de amor, que se perdeu”, na literatura de Dalton Trevisan está Curitiba que não seria cantada pelo Tom e Vinícius das araucárias.
Ao mesmo tempo, sem Dalton seria impossível pensar, por exemplo, em contemporâneos como Rubem Fonseca ou em gerações mais de escritores mais jovens – que o Vampiro – como Marçal Aquino e Paulo Lins, ambos que, ainda que indiretamente, se valem das mesmas lacunas sociais para erguer as suas histórias.
Após a morte de Sérgio Sant’Anna e Rubem Fonseca, o Vampiro ocupa sozinho do trono de maior escritor brasileiro.
Trevisan, que mora na mesma casa há décadas e cuja fachada exibe uma tinta cinza sobre as paredes pichadas e um jardim é formado por uma espécie de pomar invertido, já não habita mais a Curitiba real, mas um espaço imaginário, a cidade mítica. Isso, por outro lado, não faz do escritor um sujeito alienado, ao contrário, o coloca de frente para uma realidade imediata e invisível para a maioria. É o mesmo ambiente dos seus clássicos O Vampiro de Curitiba, A Polaquinha, Dinorá, Cemitério de elefantes, etc, entretanto, é também uma espécie de duplo daquela cidade tão figurativa e que existe no inconsciente coletivo desde que Jaime Lerner assumiu a prefeitura da cidade como prefeito biônico, ainda na ditadura militar.
O Vampiro é tão mitológico e arquetípico quanto seus personagens. Não é de espantar que fechou a revista Joaquim, um marco da literatura brasileira e que tinha entre seus colaboradores nomes de peso como Antônio Cândido, Portinari, Poty, Heitor dos Prazeres, Drummond, Otto Maria Carpeaux, por dar certo demais.
Nesse emaranhado que reúne o real e o imaginário, Dalton Trevisan segue sendo um autor fundamental, um guia para a narrativa do não – aquela que tanto atrai Vila-Matas, ainda que o catalão se interesse mais pelo espaço em branco que pela redução – e, sem dúvida, o maior escritor vivo – título que até poucos meses dividia com Fonseca e Sérgio Sant’Anna.
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