Um pouco no meio desse caos diário que é o Brasil dentro de uma pandemia e todos os seus subsequentes debates (além de tudo, até de crises políticas), o meio literário foi atingido por declarações irresponsáveis de um dos curadores do Jabuti, um dos mais conhecidos prêmios literários brasileiros (e sua subsequente renúncia). De todas as discussões que surgiram daí entre grupo de amigos, uma delas gerou um produto interessante: eu e a Lígia Colares pensamos um pouco sobre as premiações brasileiras (ou de língua portuguesa) que compõem o mercado literário.
Ela publicou no Medium um texto chamado “Sobre Prêmios Literários” e elencou oito prêmios independentes e/ou com inscrições gratuitas, com resumos e links para quem quiser saber um pouco mais sobre eles. Vou aproveitar desse espaço para ampliar essa discussão e fazer alguns comentários acerca dos prêmios literários e dos frutos deles, alguns até com livros resenhados aqui na Escotilha.
Os prêmios literários carregam consigo uma certa dualidade. Hoje, é quase impossível deixar de visualizar uma raiz elitista na modalidade que contempla determinados autores, em certos círculos e culturas, com visões específicas e alinhadas a um corpo de curadores e que é escolhida como a melhor e mais representativa obra entre o corpo dos selecionados. Mas essa não é a única visão: muitos prêmios também servem para movimentar o campo literário e ampliar (ou até mesmo, derrubar) as diretrizes que organizam uma certa diretiva. Prêmios de Ficção Científica e Fantasia, por exemplo, muitas vezes lutam contra a noção de que a literatura mimética é muito melhor do que a (pejorativamente) chamada “literatura de gênero”. Nesses movimentos surgem também as premiações que agremiam votos populares ou de qualquer escritor afiliado, o que torna o processo um pouco mais democrático.
Essa lógica também serve para visualizar como mesmo os prêmios que são tradicionais nas visões do cânone, como o Nobel de Literatura, podem movimentar e ampliar os debates dentro do próprio campo literário: Bob Dylan não precisa de um prêmio para consolidar sua carreira ou melhorar sua situação financeira, mas muito se questionou sobre os limites da literatura e da música na situação de sua premiação. Premiados fora de gêneros discursivos mais hegemônicos, como a contista Alice Munro, também jogam luz às diversas possibilidades narrativas. Até mesmo a premiação de autores fora de eixos econômicos, como a bielorrussa Svetlana Aleksiévitch ou o chinês Cixin Liu, movem as traduções e os mercados nacionais. Por fim, como sugerido, o prêmio também serve para orientar o consumo ou para possibilitar a consolidação da carreira de um escritor iniciante, seja por alguma notoriedade ou recompensa financeira. Muitas vezes prêmios são narrativas do poder, mas mostram também espaços e lutas dentro do campo literário.
Os prêmios estão sempre em movimento, como todo campo saudável deve estar, e compartilham das problemáticas de seus campos.
Para aprofundar essa discussão, gostaria de falar sobre dois prêmios novos. Primeiro, a Odisseia de Literatura Fantástica. O prêmio está na sua segunda edição, e dá prêmios para narrativas curtas e longas de horror, ficção científica e fantasia. Ano passado, um dos prêmios foi para O Auto da Maga Josefa, da Paola Bianchi, que já apareceu em uma parte das listas sobre fantasia e ficção científica brasileira. Além disso, o A telepatia são os outros, da Ana Rüsche, foi uma das narrativas de ficção científica resenhadas aqui e indicadas para a premiação desse ano.
Além disso, existe o Prêmio Le Blanc de Arte sequencial, Animação e Literatura Fantástica, que está em seu terceiro ano de existência e elege vencedores nacionais (inéditos e traduções) em categorias como quadrinhos, games, animações e romances. No ano passado, O Auto da Maga Josefa também venceu nessa premiação. Aqui quem fala é da Terra, coletânea de contos da editora Plutão, foi um dos finalistas. Um pedaço de madeira e aço, do quadrinista Cristophe Chabouté, também foi um dos finalistas de quadrinho estrangeiro.
Outro prêmio que gosto de acompanhar é o Oceanos. O que me interessa nessa categoria é a variedade de países e obras. Segundo um informativo no site deles, a edição de 2020 recebeu 1872 obras de 11 nacionalidades diferentes: “Angola (com 11 livros), Argentina (2), Áustria (1), Benin (1), Brasil (1.574), Cabo Verde (7), Espanha (4), Moçambique (10), Peru (1), Portugal (156) e Uruguai (2) –, além de 2 luso-angolanos e 2 luso-brasileiros – todos escrevendo e publicando originalmente em língua portuguesa, principal critério do prêmio” (a disparidade entre os números de enviados não me deixa mentir ao falar sobre os paradoxos que as premiações carregam, como dito acima. Nesse prêmio, Julian Fuks já foi vice-campeão com A Resistência e Ana Margarida de Carvalho já foi uma das finalista com Não se pode morar nos olhos de um gato.
Para finalizar, o último que gostaria de destacar é o Prêmio Sesc de Literatura, cujo principal critério de inscrição é que o autor esteja estreando no formato preterido (Romance ou Conto). O prêmio já teve nomes como José Almeida Júnior, que lançou recentemente O Homem que Odiava Machado de Assis, e Luisa Geisler, que foi vencedora das duas categorias em 2011 e 2012. De qualquer forma, os prêmios estão sempre em movimento, como todo campo saudável deve estar, e compartilham das problemáticas de seus campos.