Esses dias estava passeando pelo YouTube e topei com um vídeo do falecido Charles Bradley cantando “Changes”, do Black Sabbath. Durante cinco minutos, eu fui absorvido por aquela voz rouca que, acompanhada apenas por uma guitarra, deu uma dimensão completamente nova (e relativamente mais dolorida) à canção de 1972. Não vou dar mais detalhes sobre o vídeo, é melhor que você veja por si só — dica: tenha alguns lenços por perto quando for assistir.
Bradley era daqueles intérpretes que dava tudo de si a cada apresentação. A sua força vinha de uma paixão sincera pela música — sentimento que ficou eternizado em gravações como o vídeo acima. A sinceridade é a raiz de toda arte. Mas parece ser na música que conseguimos senti-la de maneira mais palpável. E muito disso se deve à possibilidade de experimentá-la ao vivo.
A sinceridade é a raiz de toda arte. Mas parece ser na música que conseguimos senti-la de maneira mais palpável. E muito disso se deve à possibilidade de experimentá-la ao vivo.
Presenciar uma canção se desenrolando e sendo construída diante de seus olhos é uma experiência única. A performance é um terreno de possibilidades infinitas. Ali a música pode tomar outros rumos, ganhar novos significados e despertar sensações que estavam adormecidas tanto no artista quanto no público. É nesse momento que se cria a ligação mais intensa entre os dois. Ligação que só acontece para valer quando a música é feita com coração e verdade.
Inspirado pelo vídeo de “Changes”, separei outras sete performances que compartilham dessa mesma força e que sempre me emocionam. E fique claro que o critério aqui é bem subjetivo, afinal, a emoção não é uma ciência exata. Enfim, lá vai:
Tuyo
Começando pelo trio paranaense de folk futurista que tem conquistado corações com o belo EP Pra Doer, lançado no ano passado. A química que existe entre os três é assombrosa. As irmãs Layane e Lilian Soares se completam mutuamente, construindo juntas harmonias vocais com naturalidade — sempre muito bem acompanhadas dos arranjos minimalistas de Jean Machado. Esse vídeo consegue capturar fielmente todos os elementos que tornam esse trio tão especial.
Ventre
Forjada no calor do Rio de Janeiro, a Ventre é um trio composto por Gabriel Ventura, Larissa Conforto e Hugo Noguchi. Intensidade é a palavra que melhor define o som do grupo — uma mistura de distorções, peso, melancolia e (às vezes) psicodelia. Essa performance de “Mulher”, no Sofar Sounds, reúne tudo isso e muito mais. O destaque fica especialmente para a bateria destruidora da Larissa (e a inclusão de um trecho de “Sangrando” do Gonzaguinha, no meio da música).
Moses Sumney
Angelical parece o adjetivo mais apropriado para descrever a música do californiano Moses Sumney. Essa performance de “Quarrel” traz Moses acompanhado por três harpas e demonstra o domínio que tem sobre a própria voz. Versátil, ele sempre inova nos arranjos de suas apresentações, dando toda vez uma nova cara para seu soul etéreo.
Bon Iver
Gravado em 2008, ano em que Bon Iver lançou o álbum For Emma, Forever Ago (um clássico do folk contemporâneo), esse vídeo captura a essência das canções de Justin Vernon. Seja cantando acapella para algumas pessoas no hall de entrada de um prédio parisiense, ou andando pelo bairro de Montmartre acompanhado de violão e escaleta, ele transborda emoção — sempre equilibrando o intimismo de suas canções com a intensidade de sua voz.
Glen Hansard
Glen Hansard é outro expoente do folk. O irlandês ficou famoso pela sua participação no filme Once (2006), que rendeu para ele o Oscar de melhor canção original. Desde então, é tradição que ele toque “Say It To Me Now” na rua, ou no meio do público, sem microfones — em alusão à cena de abertura do filme. Suas performances provam que, mesmo com arranjos simples, suas canções possuem o poder de criar uma forte ligação emocional entre ele o público (o que se deve, em grande parte, à potência de seus vocais rasgados).
Toe
https://www.youtube.com/watch?v=e0RWnzd_b_k
A Toe é uma das bandas de math rock mais queridas pelo público. Ao vivo, as canções do grupo japonês se tornam quase mantras. “Goodbye” é o melhor exemplo. Ela é construída em cima de um único riff de guitarra que ressoa durante a maior parte da música. Simultaneamente, o arranjo vai crescendo e se tensionando em novas direções, enquanto os integrantes se entregam aos seus instrumentos com uma paixão difícil de descrever — atenção ao baterista, por favor. Essa performance, que por si só já seria icônica, fica ainda mais especial com a participação da cantora Toki Asako, que casa completamente com o sabor agridoce do arranjo de “Goodbye”.
Anderson .Paak
A música de Anderson .Paak é contagiante. Ele mistura funk, soul, R&B e rap de maneira única — mas sempre recheada de groove. Além de ter um timbre muito particular, .Paak impressiona pela habilidade com as baquetas. Ao mesmo tempo em que canta, ele sustenta a cozinha da banda que o acompanha, sem nunca perder o gingado. Para ninguém poder dizer que nessa lista só tem música triste.