Contemplação. Essa é a melhor forma de definir a sonoridade da Y Los Nombres Comunes, banda uruguaia formada no começo de 2014 por Jhona, Martín e Ximena, um trio com um disco lançado em janeiro de 2015 e mais dois singles lançados posteriormente. E ironicamente, tudo que o grupo não faz é trabalhar a música a partir de lugares comuns.
“Y Los Nombres Comunes se refere às composições, é um conceito, se refere a uma categoria ampla de coisas”, conta Jhona em nosso papo direto de Montevidéu. “No Uruguai, há muitas bandas que se chamam, por exemplo, ‘ET y Los Problemas'” afirma o músico, que diz que no caso deles a escolha se trata de uma sátira ao fenômeno. Em Nombres Comunes, álbum composto por nove canções, todas as faixas recebem nomes próprios.
O trabalho do grupo uruguaio se estrutura em arranjos simples, mas não simplórios. Enquanto Jhona é responsável por violões acústicos, Martín acrescenta teclados e sintetizadores sob a percussão de Ximena Bouso.
É um folk muito particular, um tanto campestre, feito a partir da observação sobre o cotidiano dos músicos, suas perspectivas de vida e aspirações artísticas. Sua essência primordialmente intimista e ligeiramente introspectiva compõem um cenário imagético reflexivo.
Você não sairá pulando desenfreadamente as canções da Y Los Nombres Comunes, mas certamente se pegará cogitando um ritmo menos acelerado de vida, pois as composições do grupo possuem esta característica: exigem uma pausa, exigem que você as absorva. “O que mais nos motiva é o desejo de cantar e poder sublimar impulsos”, comenta.
Mergulhando suas composições em construções, nas quais as paisagens sonoras são muito importantes para o resultado final, os integrantes da Y Los Nombres Comunes pescam influências em artistas variados, e alguns com essência também intimista.
De Elliott Smith e Mogwai a Portishead, o DNA musical do trio uruguaio é permeado por essa fusão com algo muito característico no novo rock local. Com novas composições prontas, a banda está em turnê para arrecadar fundos para financiar a gravação de um novo disco.
A promessa é que ele esteja pronto em formato físico e para ser baixado de forma gratuita até o fim de 2016. Abaixo você pode conferir o clipe de “La Noche el Dia y la Tarde”, primeira música do novo disco, La Suma de Todos Los Tiempos.
URUGUAI: AJUDA DE CÁ, PROBLEMA DE LÁ
“Na cena musical do Uruguai está tudo podre”. Jhona é categórico quando falamos sobre o momento atual da música no país. “O pior da cena musical é que todos querem te levar para um mesmo lugar, até nos fundos estatais isso acontece. É incrível”. Obviamente, as crítica do músico se referem à estrutura e não aos artistas.
Você não sairá pulando desenfreadamente as canções da Y Los Nombres Comunes, mas certamente se pegará cogitando um ritmo menos acelerado de vida.
No Uruguai existe o Fonam, Fundo Nacional de Música. Criado em 1994, promulgado pela lei 16.624 e regulamentado em 12 de setembro de 1996, o Fonam foi criado com o objetivo de fomentar e desenvolver todos os gêneros musicais cultivados em todo território uruguaio, uma espécie de versão da nossa Lei Rouanet direcionada apenas à música.
O fundo sofre constantes críticas, principalmente de que beneficiariam apenas artistas que não necessitariam do apoio. “Ganham músicos consagrados com um poder aquisitivo alto para a produção de seus novos materiais, e isso é questionável.”
Ainda que haja espaço para auxiliar artistas emergentes, Jhona aponta um problema urgente no formato de financiamento. “Exigem contratos que podem ir conta a livre circulação dos álbuns.” Isso ocorre porque quando um trabalho é financiado pelo Fonam, fica proibida sem autorização escrita dos titulares dos direitos autorais a reprodução total ou parcial da obra.
Em linhas gerais, seria como se o artista ficasse impedido de disponibilizar sua obra gratuitamente ou que tivesse uma faixa tocada em um bar, restaurante ou casa noturna. “A cena musical e o Estado, por uma falta de conhecimento sobre as novas formas de distribuição, fomentam o uso de licenças fechadas ao empréstimo ou cópia de material. E isso, para os músicos que lutam pela música livre, não é bom”.
OS OBSTÁCULOS À MÚSICA
“As dificuldades para os que vivem de música no Uruguai, penso eu, devem ser lidar com todos os envolvidos, a gravação, o produtor, direitos autorais, etc. Ver a música como uma forma de produção meramente econômica, tocar em lugares onde não queremos com as multinacionais que patrocinam, etc”, é o que pensa Jhona sobre os obstáculos em viver de música em nosso país vizinho. “Talvez, para alguns não sejam dificuldades e, sim, um trabalho, no qual você se adequa às regras do mercado”, complementa.
No caso específico da Y Los Nombres Comunes, ser uma banda do underground uruguaio e não necessitar submeter-se às intempéries da indústria da música pesam na decisão de não levar uma “vida de músico” de forma convencional. “Para mim, [viver de música] nunca será uma realidade”, afirma o cantor. “Somos uma banda underground e isso nos agrada. Por enquanto, nos autossustentamos sem colocar dinheiro dos nossos bolsos, gerando renda através dos shows, de festas, da venda de nossos discos, dos direitos autorais”. Mas essa visão mais objetiva de sua arte não diminui o lado ideológico de Jhona. “Nosso principal objetivo é dar as ferramentas legais teóricas e práticas para a livre circulação da música que fazemos. Fazer o que queremos não tem preço.”
MÚSICA AO SUL DO MUNDO
Seguimos procurando compreender a visão dos músicos sobre fazer música ao sul do mundo e de que forma o que fazem dialoga com o restante do planeta. Não é segredo para ninguém que a música latina sofreu (e sofre) muita influência do que é feito em inglês em todas as partes do mundo, uma realidade também presente na terra de Pepe Mujica. “A música uruguaia é influenciada por várias correntes. É um país onde convergem várias culturas, predominantemente de descendência europeia e africana”, nos conta o guitarrista da Y Los Nombres Comunes. “Fazer música por aqui é parte do cotidiano. Atualmente temos convivido com o candombe, murga, tango, plena, cumbia cheta e muitas outras manifestações musicais que se veem afetadas nas produções daqui.”
“É certo que as rádios não ajudam muito, passam músicas em inglês o tempo todo, ou bandas estrangeiras ‘comerciais’. Deveria haver uma lei que fomentasse a execução de música nacional”. Não que para Jhona cantar em outro idioma que não o espanhol seja um problema. “[Consumir música em inglês] é mais da geração dos meus pais. Um dos primeiros grupos de rock uruguaio, na década de 1960, o Los Shakers, cantavam em inglês. Mas isso mudou com o tempo”, afirma, ainda que considere que existam “diferentes pontos de vista com relação a isso”.
O INTERCÂMBIO BRASIL-URUGUAI
Não é apenas Vitor Ramil a ponto que estreitou o relacionamento entre a música uruguaia e a brasileira. Os irmãos Draxler, Fernando Cabrera, Ana Prada e mais recentemente, Franny Glass e Molina Y Los Cósmicos desembarcaram em terras brasileiras, cantando em espanhol e conquistando fãs com sua riquíssima música. “Nós aprendemos muito com a cena independente do Brasil. Existe aí um circuito sólido”, conta Jhona. “Há uma distância, mas cada vez é menor. Há mais bandas fazendo intercâmbio, armando shows aqui, aí…”.
NO RADAR | Y Los Nombres Comunes
Onde: Montevidéu, Uruguai.
Quando: 2014
Contatos: Facebook | Soundcloud | Bandcamp
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