Clarice Falcão não tem muito jeito para o palco. De blusa de lã que mais parecia um moletom, quase como se não soubesse o que está fazendo ali, a cantora se enrosca nos fios do microfone, esquece a letra, desafina, parece perdida e quase não se mexe. É como se a tivessem empurrado e dito: “Se vira, Clarice”. Porém, felizmente, ela não precisa fazer muito esforço para conquistar seu público. Em uma linda, lotada e muito, muito fria Ópera de Arame, em Curitiba, Clarice Falcão provou que mais do alcançar notas musicais, é necessário saber se comunicar. E isso ela sabe muito bem.
Em turnê pela segunda vez na capital paranaense, Clarice também provou que é mais do que um fenômeno saído da internet. Se o seu primeiro álbum, Monomania (2013), era quase um compilado de seus irônicos vídeos do YouTube, seu segundo disco, Problema Meu, mostra uma perceptível evolução, já que Clarice evita falar tanto dela e abre a mente para situações do cotidiano que soam absurdas, mas estranhamente familiares. Por isso, o show pode ser confundido com um stand-up comedy musical um tanto quanto depreciativo, sarcástico, e, por que não, reflexivo. Há bastante inteligência em suas letras, ainda que nem mesmo a cantora pareça se dar conta disso. Abrindo o espetáculo com a ótima “Irônico”, Clarice logo erra a letra, mas não há constrangimento, já que tudo soa muito autêntico. Quem já sabe, acompanha Clarice com um sorriso bobo no rosto. Quem não sabe e presta atenção, começa a gargalhar com versos como: “Eu gosto de você como quem gosta de um perfil do Facebook que usa foto de casal / Eu gosto de você como quem gosta de quem já saiu do BBB”.
Rápida na transmissão e sem enrolação, Clarice constrói narrativas que deixam seu show imagético sem precisar de cenário ou telões elaborados.
Para um público predominantemente jovem, o show funciona como uma coleção de indiretas, um tiro certeiro. Clarice fala para uma geração que tem muito a dizer, mas que muitas vezes não consegue se expressar. Ainda que para os mais sérios as letras não sejam nada chiques, Clarice carrega um humor para os entendidos. Rápida na transmissão e sem enrolação, ela constrói narrativas que deixam seu show imagético sem precisar de cenário ou telões elaborados.

Enquanto ela canta (e conta), o público não deixa de imaginar uma garota que não gosta mais do ex, mas que odeia a atual namorada dele e planeja as coisa mais maquiavélicas para acabar com sua existência (“Meu coração já parou de parar por você / Já te respondo com a voz de alguém que normal / Ela aparece e meu corpo começa a ferver / Que nem o coelho do cara em Atração Fatal, aliás… esse plano não é mal”); assim como consegue transmitir perfeitamente a história real de uma tal Marta, que deve dinheiro ao banco e tem o número de telefone muito parecido com o de Clarice (“Marta / É urgente / Tem gente do banco querendo falar com você”) e consegue identificação universal em “Vinheta”, uma canção que segue o fluxo de pensamento de uma personagem que espera aquela mensagem ou ligação do crush da noite passada (“Eu checo as mensagens / Sete, oito, vinte vezes / Só passou cinco minutos / Eu senti passar três meses).
Sem nenhuma pretensão de ser considerada a voz de uma geração – mas que certamente é a voz de muita gente -, Clarice mais parece aquela amiga divertida que nós queremos levar para todas as festas, ao mesmo tempo em em que queremos tomar um chope e falar sobre as ironias da vida (e havia muita gente convidando a cantora para ir à balada após o show). Assim, embora seja bastante divertido ouvi-la arriscar mais no rock juvenil de “A Volta do Mecenas” e dar bastante risada com sua dancinha em “Banho de Piscina” – canção brega e irresistível composta pelo seu pai, João Falcão -, Clarice continua encantando com a simplicidade, como no medley de “I’ll fly with you” e “Talvez”, ou na doce “Capitão Gancho”, que obriga o pública a cantar quase sem respirar (“Você pode tentar por horas me deixar culpado / Mas vai dar errado / Já que foi o resto da vida inteira que me fez assim”).

Não há nenhuma surpresa em seus shows, mas o trunfo de Clarice é se apresentar de forma genuína, sem prometer muita coisa. Ela até pode representar a garota estabanada com olhar de psicopata, mas nada disso soa mentiroso. É como se todos estivessem muito ansiosos para cantar com ela aquilo que cantarolam sozinhos no quarto. Ou como se as canções fizessem mais sentido ao lado de gente que entende perfeitamente o sentimento em versos como: “Eu sei que eu marquei às dez / E eu sei que já são seis / Mas vai que ele se atrasou”. Afinal, tirar sarro de si mesmo parece a arma perfeita para enfrentar a timidez e os tropeços que a vida nos dá. Esse diálogo estabelecido entre ela e o público vai até o fim, com Clarice dividindo suas visões sobre a vida, o amor e tudo o que há no meio. Ainda há espaço para as canções feministas “Survivor” – cover de Destiny’s Child – e “Vagabunda”, que fala de sororidade de maneira inteligente e fugindo do clichê (“Toma uma chope comigo / Vagabunda / Que eu sei a vagabunda que eu sou / Repara que conexão profunda”).
Mas mesmo que o ritmo de Clarice tenha um humor que encanta, sua obra não é para todos. As letras são rápidas demais, lineares, a sonoridade é estranha, imediata e muito simples para quem implica e leva tudo tão a sério. Sem problematizar a questão, é bem provável que a cantora não consiga se comunicar com um público mais velho, que pode demorar a entender suas tramas musicais. Só que se na turnê de Monomania Clarice parecia assustada com a positiva reação do público e a raivosa reação da crítica, nesta segunda empreitada, ela parece ter plena consciência de que sua música não será considerada chique, não terá pronome oblíquo ou quimera, mas que, enfim, isso é problema dela.