Confesso que existe uma linha entre o cover aceitável e aquele que nem me atrevo a ouvir. Normalmente, o aceitável é aquele feito por um artista que você goste ou de uma canção que você conheça e, goste ou não, cative seus ouvidos naquele instante. Tem ainda o feito por algum artista que você nunca havia ouvido falar, que não apenas vai lá e toca tudo igual, tim tim por tim tim, acorde por acorde, mas faz questão de imprimir na canção sua própria personalidade enquanto artista. Os demais, em geral, são condenáveis e se encaixam nos que nem me atrevo a ouvir. Geralmente são as bandas de tributo. Se você está lendo e tem uma banda cover, desculpe, não é nada contra você.
Para que fique claro, já fui em muitos shows de bandas tributo. Perception (The Doors Cover), Back in Black (AC/DC Cover), Lost Dogs (Pearl Jam Cover) e até João e os Poetas de Cabelo Solto (Los Hermanos Cover e, ao mesmo tempo, uma banda indie bem bacana). Viu? Meu passado me condena. Mas é bom ficar claro que isto nunca foi padrão em minha vida. Prefiro (e sempre preferi) acompanhar artistas autorais, mas quando adolescente e jovem adulto morava em uma cidade paulista que pouco (ou nada) impulsionava sua cena local. Enfim, o papo não é esse, mas sim os covers que, por alguma razão, chamam a atenção.
Newton Faulkner & Massive Attack
O assunto não é novo (já foi tratado pela Katy, na coluna Vitrola), mas me peguei esta semana recordando alguns que, inclusive, me fizeram conhecer alguns novos grupos. O primeiro que trago é o inglês Newton Faulkner. Pouco conhecido pelos lados de cá, o músico estabeleceu sua carreira no folk rock, lançou quatro álbuns (o quinto, Human Love, sai em novembro próximo) e ganhou a admiração de um número infinito de músicos. James Morrison, John Mayer e Daft Punk são apenas alguns dos artistas que já dividiram palco com Faulkner.
Newton Faulkner é responsável por um dos covers mais bacana que já ouvi. Em seu disco de estreia, Hand Built by Robots (2007), ele gravou a faixa “Teardrop”, sucesso nas mãos do Massive Attack e tema de abertura do seriado House.
Dolly Parton & The White Stripes
Outra canção que ganhou um tributo digno (e me fez querer conhecer mais sobre a carreira da artista “homenageada”) foi “Jolene”, marcante na voz da eterna Dolly Parton. Faixa que dava título ao seu 13º álbum de estúdio, a canção ganhou uma versão do The White Stripes. Gravada como bônus do terceiro disco do duo de garage rock norte-americano, White Blood Cells (2001), “Jolene” é dessas que ganharam outra cara quando reinterpretadas. O country pop de “Rainha do Country” deu espaço para a guitarra rítmica e a bateria seca do The White Stripes. Jack White e Dolly Parton nos ofereceram duas preciosidades em uma.
The Bobby Fuller Four & The Clash
The Bobby Fuller Four talvez seja desconhecido para boa parte das pessoas. Com relativo sucessos na primeira metade dos anos 1960, especialmente nos Estados Unidos, o grupo foi o maior sucesso da Del-Fi Records, gravadora de Bob Keane. Keane foi um produtor musical e empresário de muitos artistas entre os anos 1950 e 1960, com destaque para Sam Cooke e Ritchie Valens, aquele da música (e do filme) “La Bamba”.
‘Hurt’ deu fôlego não apenas ao próprio Cash (afinal, lhe garantiu seu último hit), mas apresentou o NIN a uma nova geração de fãs.
Se Valens e Frank Zappa (àquela época, um ilustre desconhecido) são dois nomes de peso no catálogo da gravadora, foram os texanos do The Bobby Fuller Four que renderam maior notoriedade a gravadora. “Let Her Dance” e “Love’s Made a Fool of You” ganharam os corações norte-americanos, mas foi “I Fought the Law” que garantiu o nome do quarteto para sempre na história da música. Mas algumas coisas precisam ser ditas. Primeiro, isso só aconteceu em 1979, 13 anos após o grupo desmanchar, e nas vozes e nos riffs dos ingleses do The Clash. Segundo, que a canção é de Sonny Curtis, o substituto de Buddy Holly no The Crickets.
Johnny Cash & Nine Inch Nails
Impossível uma lista de covers sem a lenda do country, Johnny Cash. O cantor, falecido em 2003, cravou canções ímpares na música com seu timbre único e sua pose de badass. Cash traduzia tudo que ocorria em sua alma, repleta de doses de melancolia, em composições como “I Walk the Line”, “Ring of Fire”, “Get Rhythm” e “Man in Black”. Na fase final de sua carreira, gravou várias músicas de outros artistas, entre elas “Hurt”, composição de Trent Reznor, líder do Nine Inch Nails, presente no álbum The Downward Spiral (1994), da banda de Ohio.
O rock industrial de Reznor e companhia marcaram a virada dos anos 1980 para os 1990. Sua genialidade atravessou as fronteiras nas artes, marcando presença principalmente no cinema. David Bowie chegou a comparar o impacto da obra do NIN com a do The Velvet Underground. Contudo, é inegável que a interpretação de Johnny Cash para “Hurt” deu fôlego não apenas ao próprio Cash (afinal, lhe garantiu seu último hit), mas apresentou o NIN a uma nova geração de fãs. A catarse que presenciei no Lollapalooza de 2014 deu bem uma dimensão desse cenário.
Pearl Jam & Neil Young

É comum citar o Pearl Jam, a eterna segunda banda do grunge (mesmo que eu, de maneira muito particular, a considere a primeira), com o clássico de Wayne Cochran. “Last Kiss” realmente é muito identificada com o grupo de Eddie Vedder e companhia, contudo, como bom fã que sou, esta é uma canção que dificilmente tocará no meu player.
O mesmo não acontece com “Rockin’ in the Free World”, canção composta e gravada originalmente por Neil Young, em 1989, para seu décimo álbum de estúdio, Freedom. Young tem uma carreira deveras importante na história da música contemporânea. O canadense e seu Buffalo Springfield foram um marco dentro do folk rock. Extremamente originais, o grupo foi ganhar o devido reconhecimento anos mais tarde. Já em carreira solo, logo com seus dois primeiros trabalhos, Everybody Knows This is Nowhere (1969) e After the Gold Rush (1970), virou sucesso de crítica e público.
A admiração de Eddie Vedder pela carreira de Neil Young é antiga. Desde o início da década de 1990, ou seja, logo no começo do Pearl Jam, a banda sempre que podia inseria uma canção do músico canadense no repertório de seus shows. A admiração passou a ser mútua, especialmente depois da apresentação juntos no MTV Music Awards de 1993, quando interpretaram uma música de cada. Visivelmente embriagados, a bebedeira selou de vez uma parceria que continua até os dias de hoje. Certamente “Rockin’ in the Free World” estará no set-list do grupo norte-americano em sua próxima passagem pelo Brasil, ainda este ano.