Quando Crux foi lançado, em outubro de 2014, a Marrakesh parecia mais fácil de ser entendida, ainda que, ironicamente, fizesse um jogo com público e crítica logo na faixa que abria o EP, a crua e enigmática “Don’t Expect Too Much, Just Lay Down and Smile (Cry)”. As três canções que compunham o EP formavam um espectro mais reto, em que elementos de post-rock eram entrepostos às camadas de psicodelia, transformando o disco numa viagem lisérgica. Funcionava, dava liga, ainda que desse a sensação de uma certa ausência, um tempero que os identificasse na cena alternativa de Curitiba.
Pois, em Vassiliki, novo EP da Marrakesh lançado em março deste ano, é possível dizer sem risco de erro que fez-se luz. A banda retorna expandindo seu leque sonoro com novos arranjos, centrando a temática do trabalho na contemplação. Vassiliki é isso, um disco contemplativo, que tensiona o frio e o calor da própria cidade, num bate bola clássico entre a fuligem da alternatividade que dominou o rock na virada dos anos 70 para 80 e a psicodelia tipicamente brasileira (ainda que aqui cantada em inglês), diferente de todas as vertentes espalhadas pelo mundo. A partir dessa expansão, o grupo se torna muito mais complexo, mostrando que não pretendem subestimar seu público, e, ainda por cima, atingem um ponto onde é praticamente impossível resumi-los.
Vassiliki é isso, um disco contemplativo, que tenciona o frio e o calor da própria cidade, num bate bola clássico entre o rock alternativo e o rock psicodélico tipicamente brasileiro.
Formada por Bruno Tubino, Lucas Cavalin, Matheus Castella e Nicholas Novak, a Marrakesh contou em Vassiliki com a participação de Gustavo Schirmer nos sintetizadores – Schirmer também foi responsável pela mixagem e masterização do álbum, gravado em seu estúdio.
Já na urbana “Sheer Night”, faixa que abre o EP, o quarteto apresenta sua nova biblioteca de nuances, uma cartela de riffs despejados entre quebras de ritmo, cadenciando a voracidade desse templadismo (como batizou o músico uruguaio Daniel Drexler), que carrega a música de uma estética que flerta com o clima, por exemplo. “Nikko” traz uma ausência de pudor psicografada, um desbunde disfarçado de desinteresse. As guitarras trazem consigo uma ambientação sonora própria, possível de pincelar a canção e inseri-la em diversos contextos.

Disfarçada de não-balada, “On a Drop of Dew” faz as vezes de contraponto em Vassiliki. Marcando ritmo com seu vocal valseado, a faixa subverte suas próprias convenções em uma quebra arrebatadora, em que as vocalizações fazem o papel de um bridge que prenuncia o ápice da canção. Talvez a descrição soe confusa, e justamente por isso iniciei o parágrafo chamando “On a Drop of Dew” de uma não-balada, posto que ela é, sim, um mergulho entorpecido em uma mente contraditória, angustiada e narcisista, porém, extremamente intrigante.
O disco finaliza com “Apeiron”. Nela, a Marrakesh usa de filosofia para escancarar seu novo eu-lírico. Palavra de origem grega, apeiron significa infinito, ilimitado e indefinido, termo central da teoria cosmológica criada pelo filósofo Anaximandro, que acredita que a realidade era eterna e sem fronteiras, impossível de ser desintegrada. Tudo seria gerado a partir dele e, então, destruído conforme a necessidade. Neste contexto, fica plena a mensagem do grupo, que sabe que nossos pensamentos, os mesmos, aqueles que todos nós compartilhamos, serão um dia satisfeitos. Assim, gera-se a canção e some o disco, metaforicamente falando, é claro.
A Marrakesh parece pronta para finalmente nos entregar um full-length, que deve sair em 2017. Maduros no palco, seguros e certeiros nos EPs, a banda caminha a passos largos para essa “realidade eterna e sem fronteiras”. Daqui a gente sorri e torce.
Ouça Vassiliki na íntegra no SoundCloud
https://soundcloud.com/marrakesh-5/sets/vassiliki