Clube da Luta, principal obra de Chuck Palahniuk, adaptada para o cinema em 1999, possui uma frase marcante e que pode ser utilizada para sintetizar a banda que hoje está na coluna “Radar”. No livro, o personagem Tyler diz “It’s only after we’ve lost everything that we’re free to do anything”, o que em português ficou “Só depois de perder tudo você vai fazer o que quiser”.
A presença da nota em inglês acontece por ela retratar melhor o que Palahniuk pretendia dizer. Liberdade. Clube da Luta questionava a monotonia da vida cotidiana, representada pela falta de sentido da modernidade, do trabalho e do consumismo. Definitivamente não se trata de uma obra trivial, em especial quando colocamos a realidade em perspectiva – e aqui o leitor tem a liberdade (ora, vejam!) de compreender essa transcendentalidade artística da forma que lhe soar melhor.
A questão nasce do surgimento da manauara Alderia, trio formado por ex-integrantes de dois grupos muito representativos da cena local. Zé Cardoso e Diego Souza faziam parte, até janeiro, da Supercolisor, enquanto Eron, primeiro baterista antes de Viktor Judah, era músico da Luneta Mágica, que já passou por esta mesma coluna.
Mas como tratar da liberdade quando se migra do experimentalismo da Supercolisor e da psicodelia da Luneta Mágica para a alternatividade pop da Alderia? A música absorve muito mais da vida do que nossa vã filosofia possa imaginar. Sim, o teórico enxugamento rítmico que resultou em Banho, EP de estreia do trio, não pode ser compreendido como um caminhar a algo menor.
A tendência natural de compreender o pop como um gênero menos expressivo – em parte, responsabilidade da própria indústria da música, sedenta em transformar o pop não em popular, mas em rentável – é o primeiro erro que deve ser evitado ao falarmos de música.
Banho é versátil, honra o acordo feito pelo trio ao evocar Caetano Veloso, Jorge Ben e Beatles como principais influências.
Banho é versátil, honra o acordo feito pelo trio ao evocar Caetano Veloso, Jorge Ben e Beatles como principais influências, justamente porque tais artistas possuem carreiras nas quais o pop caminha paralelamente com o requinte da psicodelia, do rock and roll e, excetuando-se os ingleses, da MPB setentista.
Para um disco que abre com “Detox”, primeiro single de Banho, e sua batida mais acelerada, fica nítido como o grupo permeia uma alternatividade contemporânea, capaz de caminhar em extremos sem soar excessivamente excêntrico, e compor uma balada como “De Nós” – que recorda muito a sonoridade dos mineiros da Transmissor.
Há de se louvar, ainda, como o grupo trabalha sem fazer pop com a profundidade de um pires, não desapreçando o público, como no indie de “Particular” ou na excelente e psicodélica “Banho”, faixa que batiza o disco e, certamente, é o ponto alto do trabalho.
Retornando à obra de Palahniuk, se era realmente o caso de Zé, Diego e Viktor precisarem estar em novos ares para, enfim, serem verdadeiramente livres sonora e esteticamente falando, a missão foi bem cumprida, criando mais uma força na plural cena amazonense.
NO RADAR | Alderia
Onde: Manaus, Amazonas.
Quando: 2016.
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