Há 20 anos, o Radiohead dava seu primeiro grande passo em direção ao que a banda se tornou: um dos grupos mais criativos e consistentes na história da música. Em um primeiro momento, pode parecer um exagero, mas OK Computer é um marco por inúmeras razões. Esse trabalho, e os outros discos que seguiram, serviram de inspiração para bandas como Muse, Grizzly Bear, Half Moon Run e Baleia – para citar alguns poucos, a lista é extensa.
Há uma espécie de fio narrativo que liga OK Computer (1997), Kid A (2000), Amnesiac (2001) e Hail To The Thief (2003). De diferentes maneiras, eles representam um mundo marcado pela paranoia, vigilância e submissão à tecnologia – temas que povoavam o imaginário coletivo na virada do milênio.
A questão é: muito do que a princípio parecia ser uma distopia distante, fruto da mente de Thom Yorke, hoje é nossa realidade. Smartphones funcionam como extensões dos nossos corpos, somos vigiados constantemente por empresas como Google e Facebook, a ansiedade é a doença do século e parece haver um distanciamento emocional crescente entre as pessoas. É aí que o emo entra na história.
A ansiedade é a doença do século e parece haver um distanciamento emocional crescente entre as pessoas. É aí que o emo entra na história.
Os anos 90 foram marcados por gêneros musicais que traduziam a angústia de uma geração de jovens que não se adequava aos padrões de seus pais e avós. Além do grunge, o emo se firmava na cena musical norte-americana graças a bandas como Cap’n Jazz, Sunny Day Real Estate, Mineral e – um pouco mais tarde – American Football.
Essa alcunha foi dada ao estilo musical – que nasceu da miscigenação do hardcore, com o indie e o rock alternativo – anos mais tarde. Desde o princípio, o termo “emo” (ou também “emocore”, abreviação de emotional hardcore) carregava um estigma negativo. O ápice da discriminação foi durante os anos 2000. Bandas como Simple Plan, Good Charlotte e Fall Out Boy, que praticavam um pop punk radiofônico, foram taxadas como emo menos pela sonoridade do que pela estética de seus integrantes – que também tinha pouquíssimo a ver com o emo noventista.
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Com a ascensão desses grupos ao mainstream, o termo começou a andar de mãos dadas com o desprezo que acompanha todo estilo musical que cai no gosto do público e da indústria musical. Por mais ou menos uma década, o emo dos anos 90 ficou esquecido, praticado por poucos resistentes – Brand New sendo uma das bandas de maior destaque.
Ali por volta de 2011, as coisas mudaram. Em meio a distopia anunciada de Yorke e companhia, nomes como La Dispute, Mewithoutyou e Pianos Become The Teeth começaram a ganhar uma base sólida de fãs e atenção da mídia especializada. Musicalmente e liricamente, eles resgatavam as raízes da sonoridade dos anos 90, mas com uma pegada mais atual, juntando outros gêneros à fórmula. De lá para cá, o que alguns chamam de emo revival se tornou um movimento palpável com novos representantes de peso (The Hotelier, The World Is A Beautiful Place And I’m No Longer Afraid To Die) e veteranos voltando à ativa (American Football).
É sintomático que justo agora, no ápice das disfunções sociais que o Radiohead já ensaiava lá no final dos anos 90, o emo esteja ganhando mais representatividade. Se há um elemento que une todas as bandas citadas até aqui – às quais incluo os representantes nacionais do gênero como Jonathan Tadeu, Raça, El Toro Fuerte, Menores Atos e tantos outros -, é as temáticas que suas letras evocam.
O emo atual resgata e explora tudo aquilo que nos torna humanos. O gênero tem o talento incomum de expor nossas incertezas, nosso defeitos e inseguranças. A dificuldade de se relacionar, o enfrentamento de nossa mortalidade, as incessantes tentativas de encontrar o lugar ao qual pertencemos… Tudo isso está contemplado seja nas narrativas vívidas de Jordan Dreyer (La Dispute), ou no tom confessional da El Toro Fuerte.
Por isso, se estabelece um diálogo entre essas bandas e o público. Por isso, elas ganham força. Elas dão vazão a um sentimento que essa geração não consegue colocar em palavras, mas que está lá. Em um momento no qual nosso contato é tão virtual e nos sentimos cada vez mais distantes uns dos outros, o emo parece um grito de alerta, um sinal: ainda podemos sentir, ainda queremos sentir.