Unknown Pleasures, o seminal disco de estreia do Joy Division, apresentou ao mundo, em 1979, o som desconcertante, melancólico e, por vezes, furioso que influenciaria toda a onda pós-punk, que assolaria a música britânica na década de 1980.
Ian Curtis, em seus precoces 21 anos, já se mostrava um exímio letrista, representante dos desvalidos de corações errantes e desconcertados, um verdadeiro poeta dos desesperados. Suas letras elencavam um universo amargo de desilusão, angústia e desesperança. Tendo como pano de fundo a paranoia e a decadência urbana da Manchester do final da década de 1970, Curtis, aliado à guitarra barulhenta de Bernard Summer, ao baixo cadenciado de Peter Hook – cujas linhas melódicas se tornaram referenciais para os baixistas subsequentes – e a bateria ora acústica, ora eletrônica de Stephen Morris, criou uma atmosfera densa e claustrofóbica.
Não só a música de Unkown Pleasures se mostrou paradigmática, mas a própria capa, que apresentava ondas de rádio emitidas por uma estrela em extinção, preconizava a revolução do design minimalista. Quase 40 anos depois, tal ilustração estampa camisetas de jovens que inclusive desconhecem a procedência da icônica imagem.
Tal atmosfera apoteótica é levada ao limite com Closer, o álbum subsequente – e último registro full lenght oficial da banda – em 1980. O selo Factory, o produtor Martin Hannett e o projeto gráfico a cargo de Peter Saville são os mesmos do álbum anterior. E tudo neste disco anunciava a inevitável tragédia ocorrida em 18 de maio do mesmo ano: o suicídio de Ian Curtis.
A capa apresentava uma lápide, mais especificamente, a tumba da família Appiani em Gênova, na Itália. Se no disco de estreia, o Joy Division contava com elementos como sons de vidros partidos, gritos abafados e diversos efeitos digitais para produzirem a aura angustiante inerente à obra, em Closer tudo é muito mais orgânico; a melancolia não é um artefato auxiliar, mas instrumento da própria obra. Da bateria militarizada abafada que abre “Atrocity Exhibition” até os últimos acordes fúnebres de “Decades”, o clima soturno é pano de fundo para o desabafo desesperado de Ian Curtis, que externalizava em forma de música seu desespero, como na urgente “24 hours”:
Se no disco de estreia, o Joy Division contava com elementos como sons de vidros partidos, gritos abafados e diversos efeitos digitais para produzirem a aura angustiante inerente à obra, em Closer tudo é muito mais orgânico.
“Bem no coração de onde a simpatia reinava / Tenho que encontrar meu destino, antes que seja tarde demais”.
Ou na existencialista “Heart and Soul”, um primitivo jazz gótico, cujas ressonâncias de influências podem ser encontradas em álbuns produzidos décadas depois como Kid A, de Radiohead, em que Ian manifesta o descontrole de sua vida:
“Existência…bem o que ela significa? / Eu existo nas melhores condições que posso / O passado é agora parte do meu futuro / O presente está bem fora de controle”.
O cenário de Closer era diferente ao do elogiado debut. Agora, o grupo se dedicava exclusivamente à música, todos os integrantes abandonaram seus empregos e mantinham uma extensa agenda de shows. A intensidade das atividades potencializou os ataques epiléticos de Ian, paulatinamente mais frequentes e imprevisíveis. Concomitantemente, o frontman desenvolveu a chamada LSS (Lead Singer Syndrome), que o afastou dos demais membros, ao se isolar dos trabalhos braçais de montagem e desmontagem de equipamentos e aparecer somente no horário do show.
Ian ainda se encontrava no dilema amoroso dividido entre sua esposa Deborah e sua filha Natalie e a sua amante, a jornalista belga Anikk Honoré. A situação estava insustentável, os sinais visíveis, embora imperceptíveis para os colegas de banda, que inclusive confidenciaram posteriormente: “como não percebemos a iminente tragédia?”.
Tony Wilson, empresário inglês, apresentador de programas musicais e fundador do selo musical Factory Records, declarou em 1994: “É como se compor este álbum (Closer) tivesse piorado o seu estado: deixou-se tragar por ele, em vez de apenas expressá-lo”.
Ian foi encontrado em sua cozinha, enforcado na corda que sustentava o varal de roupas (segundo consta, na vitrola tocava o disco de estreia de Iggy Pop, The Idiot). Os companheiros de Curtis seguiram adiante e fizeram história com o New Order. Ademais, sobre Closer, é difícil não encarar este belo e amargo registro como a carta de despedida de Ian Curtis, ou pelo menos, como um pedido de ajuda desesperado.
VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI, QUE TAL CONSIDERAR SER NOSSO APOIADOR?
Jornalismo de qualidade tem preço, mas não pode ter limitações. Diferente de outros veículos, nosso conteúdo está disponível para leitura gratuita e sem restrições. Fazemos isso porque acreditamos que a informação deva ser livre.
Para continuar a existir, Escotilha precisa do seu incentivo através de nossa campanha de financiamento via assinatura recorrente. Você pode contribuir a partir de R$ 8,00 mensais. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.
Se preferir, faça uma contribuição pontual através de nosso PIX: pix@escotilha.com.br. Você pode fazer uma contribuição de qualquer valor – uma forma rápida e simples de demonstrar seu apoio ao nosso trabalho. Impulsione o trabalho de quem impulsiona a cultura. Muito obrigado.