Há uma discussão muito interessante pulsando essa semana nas redes sociais, sobre um tema que volta à conversa pública de tempos em tempos. A “polêmica da vez” diz respeito ao papel da crítica, o espaço consolidado dentro do campo jornalístico em que profissionais se dedicam à análise de produtos e fenômenos da cultura.
É justo esclarecer que esse espaço existe pelo menos desde a invenção do jornalismo – não há, portanto, novidade alguma aqui. Ainda assim, esta é uma atividade profissional que provocou incômodo desde que começou a ser feita, levando muita gente a se questionar se ela teria alguma utilidade. Ou, num velho recurso retórico bastante repetido, sempre houve quem acuasse o crítico de ser um frustrado – o chavão do “quem não sabe fazer, critica”.
O debate voltou à baila nos últimos dias por conta da reação de alguns artistas brasileiros em relação às críticas (profissionais e amadoras) feitas sobre seus shows no festival The Town. Dentre os comentários mais repercutidos, estão os da cantora Luísa Sonza, que desabafou em suas redes sociais de que haveria uma nova geração de cantores profundamente injustiçada pelos jornalistas. “Mas o que vocês conseguem é só diminuir e se recusam a enxergar o que já está escancarado na cara de vocês. A música brasileira tá viva, tá diversificada, tá com referência, tá foda, vocês não admitirem isso, por enquanto, não vai impedir todos nós de fazermos história”.
Há aqui um certo desgosto sobre o que seria um não reconhecimento do trabalho destes novos artistas – como Luísa, Jão, Marina Sena –, o que se manifestaria por conta de críticas lidas como negativas ao seu trabalho. Vale aqui dizer que é perfeitamente compreensível a frustração: é natural do ser humano não gostar de ser criticado.
Por outro lado, a manifestação de Luísa Sonza também revela um desconhecimento sobre para que serviria a crítica jornalística. E o fato é que este é um gênero mutável e sempre propenso a ser enquadrado de maneira distorcida. Será que, nos tempos atuais, em que tantas pessoas expressam a sua opinião a todo momento, a crítica feita por jornalistas ainda preserva a sua função?
Crítica em tempos de engajamento digital

Somo a essa discussão a interessante entrevista concedida por Maurício Stycer, um dos principais críticos de televisão do país, para a revista Rumores, da USP. Na conversa com a pesquisadora Amanda Souza de Miranda, Stycer aponta a mudanças no trabalho de crítica jornalística frente às demandas impostas pelos meios digitais, como uma adequação a formatos audiovisuais, mesmo em casos de jornalistas que preferem o texto.
A manifestação de Luísa Sonza também revela um desconhecimento sobre para que serviria a crítica jornalística. E o fato é que este é um gênero mutável e sempre propenso a ser enquadrado de maneira distorcida.
Um dos principais impactos é o imediatismo trazido pela premissa do urgente e do apelativo: é preciso chamar a atenção dentro de um mar de conteúdos que não param de nascer. E o profissional da crítica, impreterivelmente, também acaba tendo que atuar dentro desta lógica.
O preço a ser pago, sugere Stycer, é uma certa perda no teor de uma crítica jornalística mais maturada. “Vídeo e podcast eu também encarei, mergulhei em ambos, mas aí eu sofria com uma agonia que é a do improviso: opinar, para mim, é uma coisa muito séria. Cada texto meu opinativo é muito burilado, muito pensado a partir das palavras certas, que numa crítica é algo essencial. Quando você vai para o improviso, muitas vezes você não consegue reproduzir exatamente o que está pensando, então eu sofri um pouco com isso nos vídeos”, responde o jornalista na entrevista.
A autointitulada “nova geração de artistas brasileiros”, vale lembrar aqui, não deixa de ser um fruto justamente deste mundo regido pelo digital. Mas, como apontou Danilo Casaletti em artigo no Estadão, esta é uma geração muito atrelada à ideia da arte enquanto fonte de lucro. “Com a solidificação do modelo dos ‘festivais de experiência’, sempre há uma marca por trás de tudo – e seus stands, camarotes ou brinquedos podem roubar boa parte do gramado destinado ao público que pagou ingresso (caro) para ver seu artista preferido”, aponta o jornalista.
Ou seja, sucesso, aqui no caso, mede-se também com engajamento, cliques, número de seguidores e, obviamente, dinheiro. É claro que não se pode dizer que essa lógica não estivesse antes presente nos espaços artísticos – mas talvez ela nunca estivesse tão evidente e mesmo naturalizada como agora.
Por fim, Casaletti escreve: “mesmo com tantos interesses envolvidos, não é saudável para a música que produtores, assessores, marcas e até mesmo parte da imprensa queiram proteger, a todo custo, os artistas de eventuais críticas (…) Os próprios artistas deveriam ser os primeiros a rejeitarem esse lugar. Ele é um dos mais perigosos caminhos para uma viagem egóica”.
Explicita-se aqui, portanto, que a crítica jornalística (séria) não apenas continua pertinente, mas também opera como uma espécie de antídoto possível à hipnose das redes sociais, que cerca não apenas os artistas, mas a todos nós. Só assim será possível cobrar por produtos culturais melhores.
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