De tempo em tempo, parece que precisamos retomar uma discussão importante: para que serve a crítica cultural? As oportunidades para fazer isso, ao que parece, surgem cada vez que reacendemos a ideia de que há uma dicotomia, separando de forma intransponível aqueles que produzem cultura dqueles que a analisam.
Recentemente, tivemos a chance de revisitar de novo essa questão com um episódio específico. Em uma entrevista ao Manhattan Connection, o jornalista e apresentador Pedro Bial mencionou, em tom de piada, que só entrevistaria Lula com um detector de mentiras. Tendo em vista que veio de um jornalista, de quem se espera alguma isenção, a fala repercutiu imensamente nas redes sociais, gerando várias reações. Uma delas veio do colunista do UOL Maurício Stycer, crítico de TV, que categorizou a fala de Bial como “grosseira”. Mais do que isso, Stycer trouxe argumentos: “todo entrevistador está sujeito a ouvir mentiras do seu entrevistado. Para evitar esse problema, ou ao menos atenuá-lo, precisa se preparar bem para a conversa. E também deve ter a disposição para confrontar o entrevistado quando percebe que está ouvindo algo que não é verdade”.
A reação de Pedro Bial veio em seguida, em um artigo publicado no jornal Folha de São Paulo. Neste, Bial, sem citar o nome de Stycer, tece um comentário em que ataca o uso do termo “grosseiro” como um “caça-clique” – ou seja, como capaz de gerar um título chamativo ou sensacionalista que atrairia muitos cliques na página do UOL. “Mais honesto seria jocoso ou irreverente”, sugere Bial. No restante do artigo, o apresentador tenta justificar a sua fala e conta um episódio que configuraria uma mentira de Lula.
Em seguida, Maurício Stycer responde ao artigo de Bial, em um novo texto intitulado “Onde Bial enxerga campanha contra ele, vejo apenas crítica de TV”. Já no começo, Stycer desenrola um argumento que quero discutir aqui: “há um aspecto positivo no texto mal-educado que Pedro Bial publicou na “Folha” na tarde de domingo (18) com ofensas a mim, mesmo sem ser citado nominalmente, e ao UOL. Trata-se da constatação, que me deixa realmente feliz, que uma crítica de televisão em sentido estrito ainda gere debate e discussões no Brasil”.
Creio que há tempo suficiente para revisitar o assunto e notar, com certa satisfação, que talvez o espaço para a crítica da TV só tenha aumentado.
No começo deste site, lá em 2015, escrevi um texto nesta coluna intitulado “Para que serve a crítica de televisão?”. Na ocasião, refleti também sobre um “embate” levantado pela apresentadora Sonia Abrão, da RedeTV!, a partir de uma crítica feita exatamente pelo mesmo Maurício Stycer. Sonia reservou na época seis minutos para detonar um texto em que Stycer falava da exploração feita pelo A Tarde É Sua da morte do cantor Cristiano Araújo.
Seis anos se passaram desde então – do episódio com Sonia Abrão e do primeiro texto em que abordei o assunto “crítica de televisão” aqui na Escotilha. Creio que há tempo suficiente para revisitar o assunto e notar, com certa satisfação, que talvez o espaço para a crítica da TV só tenha aumentado. Antes mais restrita a textos mais analíticos, a crítica encontrou também outras linguagens e suportes. Passou a ser comum em podcasts, em canais de YouTube, em lives, além dos tradicionais “programas de fofoca”, como o da própria Sonia, que não deixam também de ser espaços de análise. A crítica também se reconfigurou por meio do humor, de uma conversação que, aparentemente, só serve para divertir, mas que na real também está abordando – e situando – o espaço e a função da televisão nas nossas vidas.
No texto de 2015, eu perguntava: para quem falamos quando falamos sobre televisão? Para nós mesmos? Para os espectadores, para que se tornem mais exigentes quanto ao que se assistem? Para os próximos profissionais, para que repensem suas práticas? Creio que vemos, portanto, um aprimoramento nesse fator “interlocução”, uma vez que encontramos mais vozes para dialogar com seriedade (ou não) sobre este que é um meio de comunicação central no Brasil. É interessante notar, aliás, que a crítica foi assimilada pela própria TV – caso, por exemplo, de iniciativas da Globo como o Tá no Ar – A TV na TV, e o icônico quadro “Isso a Globo não mostra”, que fagocita em seu próprio nome um jargão anti-Globo.
Por todos esses avanços, acredito que é realmente de se lamentar quando profissionais com tantos anos de experiência, como o Pedro Bial, preferem enxergar a crítica como uma “campanha” contra ele. Ao invés de assumir que, talvez, e apenas talvez, tenha havido sim um problema na sua fala deselegante sobre Lula (a qual, inclusive, pode queimar os caminhos para um possível entrevistado ao seu programa, que certamente geraria muitos “cliques”, ou números na audiência), ele prefere atacar o mensageiro – ou seja, o crítico. Penso que Bial é calejado demais para uma reação desta.