Quem acompanhou a música brasileira ativamente ao longo dos últimos 20 anos e se recorda do país que tínhamos à época sabe bem que vivíamos um cenário de profunda transição. Socialmente, o país vivia uma grave crise e, musicalmente, estávamos carentes de grandes ídolos na ativa. E neste contexto, a formação dos Tribalistas, nada menos que a união de Arnaldo Antunes, Marisa Monte e Carlinhos Brown, era um fator de extrema importância. Primeiro, porque há anos não assistíamos a união de artistas em um supergrupo. Segundo, porque [highlight color=”yellow”]esta junção colocava lado a lado três grandes compositores, um fantástico arranjador e uma das mais belas intérpretes da MPB até os dias atuais.[/highlight]
O disco era um respiro não apenas na MPB, mas também no mundo artístico, ainda que tenham resumido a existência do grupo a três apresentações: o Grammy Latino de 2003, a gravação do DVD Ao Vivo no Estúdio (de Arnaldo Antunes) e no Sarau do Brown. Tribalistas (2002) era [highlight color=”yellow”]provocativo, miscigenado, plural.[/highlight] Buscava em outros gêneros e ritmos uma sonoridade que retratasse melhor a essência daquele Brasil, e fazia isso utilizando uma riqueza poética, cheia de jogos metafóricos, simples à primeira vista, mas complexos num espectro mais amplo.
Nossa música popular ainda era carregada de preconceitos (não que hoje ela não o seja, vide a tentativa de criminalizar o funk carioca) e a fusão com ritmos associados às camadas mais baixas do país ainda era motivo de viradas de olhos. A título de curiosidade, no ano anterior o Rio de Janeiro havia recebido a terceira edição do Rock in Rio e a Cidade do Rock presenciou uma das cenas mais lamentáveis da história recente de nossa música. Carlinhos Brown se apresentava no Palco Mundo na mesma noite que o Guns N’ Roses. Ofensas e chuva e garrafas ditaram o tempo do músico no palco. Eu estava lá e posso afirmar que a cena de Brown com um cartaz que dizia “Paz no Mundo” sendo alvejado por garrafas foi uma das coisas mais desprezíveis que vivenciei – o mesmo pode ser dito por Carlinhos.
Ainda que plasticamente bonito e ligeiramente poético, o novo trabalho não apresenta uma nova sonoridade e tampouco busca suscitar uma reflexão provocativa no público.
Obviamente, a junção dos três artistas não foi tão bem recebida por algumas pessoas, que além de enxergarem na proposta apenas o viés comercial, consideraram as composições fracas, enfadonhas e tolas. Enfim, não é possível agradar a todos. Quando, em abril, O Globo noticiou que os três haviam se juntado, 15 anos depois, para compor novas canções, parece que tudo voltou: a empolgação dos fãs e o desprezo dos haters. Agosto chegou e com ele a constatação de que, talvez, fosse melhor que os Tribalistas tivessem deixado, para o bem e para o mal, a impressão do início dos anos 2000.
Tudo no, preguiçosamente batizado da mesma forma, Tribalistas (2017) soa errado. Ainda que plasticamente bonito e ligeiramente poético, [highlight color=”yellow”]o novo trabalho não apresenta uma nova sonoridade e tampouco busca suscitar uma reflexão provocativa no público.[/highlight] Em termos gerais, é como se o álbum fosse uma continuação estética e musical da gravação de 2002, mas com canções mais efêmeras e desinteressantes, o rescaldo daquele primeiro CD.
Arnaldo, Marisa e Carlinhos estacionaram o bonde em 2002 e parece que lá ficaram. Cantam para um país que já não existe, superado pela crise econômica, ética e moral. A obra é infértil, ainda que aqui ou ali consiga nos fazer esboçar um sorriso. Até o lançamento feito em rede nacional via Rede Globo com uma espécie de documentário improvisado soa artificial. Não se trata, porém, de uma crítica simplesmente à desconexão do trio com a realidade do país, mas com o fato de que o registro soa como uma aposta comercial insossa, focada unicamente em obter retorno financeiro.
O Tribalistas de 2017 soaria até interessante, contanto que estivéssemos em 2002. O grande problema é que já estamos bem distantes deste período. Parece que só o trio é que não percebeu. Uma pena.