Arrisco dizer, sem medo de cometer um exagero, que não há, hoje, na música brasileira, um artista tão completo quanto Vitor Ramil. O gaúcho de Pelotas possui uma obra extensa, diversificada, rica, arquitetada sob a forma de tramas milimetricamente pensadas. [highlight color=”yellow”]Ramil é vários em suas obras[/highlight]: poeta, arquiteto, engenheiro, físico, artista plástico e visual. Mas, se for necessário, também faz as vezes de jogador polivalente, capaz de atuar em todas as posições, ainda que não as domine por completo.
Resgatando a denominação dada a uma faixa territorial do Rio Grande do Sul, através do Tratado de Santo Ildefonso, em 1777, que determinava que tal área desabitada no sul do estado, desde o distrito de Taim até o Arroio Chuí, não pertenceria nem a Portugal nem à Espanha, o artista batiza seu décimo primeiro álbum de inéditas de Campos Neutrais.
Campos Neutrais é seu primeiro disco de inéditas em sete anos, [highlight color=”yellow”]a cereja do bolo de uma carreira construída com muito rigor técnico, mas também com versatilidade, improviso e talento.[/highlight] O novo trabalho oferece um compositor extremamente poético e com apuro melódico que raramente se vê. Vitor Ramil encara a música com muito esmero, sem com isso recorrer a hermetismos, ainda que o primor literário lhe seja uma característica marcante.
No documentário dirigido pelo curitibano Luciano Coelho, em que Vitor disseca a estética musical por ele criada (ou batizada, se levarmos em conta que ela é fruto do ambiente que compõe a região onde está inserida), Jorge Drexler afirma que “Ramil é mais brasileiro do que ele imagina” e, concomitantemente, “mais universal do que imaginam os brasileiros”. Campos Neutrais é a confirmação do que o músico uruguaio disse em A Linha Fria do Horizonte.
O compositor pelotense amarra pequenos detalhes de sua essência subtropicalista, da idiossincrasia estilística de seu DNA musical, e joga isto em um caldeirão que, sabemos de antemão, possui uma verve muito sulista, mas encontra este outro Brasil a que também pertence – e que constantemente procura por se ver representado nestas doses ora melancólicas, ora etéreas, ora edificantes das composições de Ramil.
O compositor pelotense amarra pequenos detalhes de sua essência subtropicalista, da idiossincrasia estilística de seu DNA musical, e joga isto em um caldeirão que, sabemos de antemão, possui uma verve muito sulista, mas encontra este outro Brasil a que também pertence.
Se a inquietude do músico já havia sido capaz de evocar o experimentalismo (A Paixão de V Segundo Ele Próprio), a poesia de Borges (Délibab), o lúdico (Tango), o coloquialismo (À Beça) e a melancolia (Ramilonga), agora vemos um Vitor Ramil que trata de nos envolver a partir de tessituras muito particulares, inserindo um tom sempre muito pessoal, mais que em qualquer fase de seus mais de trinta anos de carreira. Para chegar a este resultado, Vitor Ramil se soma ao paraibano Chico César, ao maranhense Zeca Baleiro, ao paraense Joãozinho Gomes e à poeta pelotense Angélica Freitas, como se a partir de seus olhos conhecêssemos um Brasil “mais brasileiro do que imaginamos”.
[highlight color=”yellow”]No auge de uma carreira impecável[/highlight], Vitor Ramil confirma toda sua maturidade e talento com Campos Neutrais, um disco significado pela sua estética do frio, universal, mas absurdamente brasileiro em tudo o que tal afirmação é capaz de abarcar. Candidatíssimo a melhor do ano.