Há algo de muito abundante no subterrâneo do metal paranaense, em especial nos lados de Maringá. Em tempos que muitos dos grandes nomes do gênero (e suas vertentes) vão nos dando adeus, ver surgir artistas com tanto potencial no “quintal de casa” é verdadeiramente regozijador. Se Age of Fuzz, do quarteto Fusage, não é um dos lançamentos mais implacáveis do stoner rock no Brasil este ano, temos que desligar as máquinas e refletir.
É surpreendente este resultado ser obtido com um disco de estreia, que chega ao público com bastante consistência, prestando um respeito quase religioso à sonoridade da qual bebe suas influências. Age of Fuzz é uma gravação que anda em uma linda sombra de densidade, mostrando uma técnica de composição refinada, construída sob uma teia complexa de riffs.
As guitarras não desperdiçam distorções à toa, permitindo que o disco permaneça dentro da identidade sonora criada, enquanto descrevem uma narrativa que enreda todo o registro.
Essas 10 faixas operam em um nível sônico muito rico, surgido a partir da invenção de um mundo conceitual em que são permitidas, inclusive, pontes com raízes psicodélicas, mas que encontram sua maior força em performances vocais deslumbrantes, funcionando somente por um bom desenvolvimento do quarteto maringaense como letristas.
As guitarras não desperdiçam distorções à toa, permitindo que o disco permaneça dentro da identidade sonora criada, enquanto descrevem uma narrativa que enreda todo o registro. O uso de instrumentações e psicodelias traça uma linha evolutiva e cadenciada para a Fusage, apresentando uma obra que, mesmo tensa, não tem falhas, mas forma um espetáculo cósmico, típico dos discos de alto nível do gênero.
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Não raramente, bandas parecem fazer de seus discos uma espécie de mantra, uma forma de expurgar demônios, uma expiação filosófica. Com Age of Fuzz, a Fusage parte para uma rota semelhante, construindo seu próprio ritual com as guitarras estridentes, quase obsessivas em extrair um ronco pesado dos amplificadores, e cujo eco nas linhas de baixo estabelecem a espinha dorsal dessa banda capaz de entregar ao ouvinte explosão e arrebatamento.
Por sorte, o esforço do quarteto em demonstrar suas virtudes não resulta em excesso de precisão, dando margem às improbabilidades das improvisações. Obviamente, o que a Fusage forja é familiar, pois já ouvimos a essência de seu stoner por aí. Entretanto, seu desinteresse em repetir fórmulas é um avanço, dando o toque autoral a esses riffs que, às vezes, parecem colidir um com os outros, num mecanismo milimetricamente pensado para adentrar nossas cabeças. E as doses escondidas de melancolia, que volta e meia aparecem na superfície da musicalidade do grupo, formado por Douglas Takazono, Diogo Rozada, Luiz Miguel e Christian Silva, é um lembrete agudo de que a música é um exercício de transe coletivo. E sem altos e baixos, retomo a ideia de que estamos diante de um disco que é como um mantra. Desafiante e catártico, como as vertentes mais pesadas deveriam ser.