Em fevereiro deste ano, a música brasileira perdeu Mestre Vieira, aos 83 anos. Paraense, ele é considerado o criador da guitarrada, gênero musical instrumental protagonizado pela guitarra e que une ritmos latinos, como a cumbia, o merengue e o mambo, a elementos nacionais, como o choro e até a Jovem Guarda.
O disco Lambadas das Quebradas, lançado por ele em 1978, é tido como o marco inicial do gênero, que hoje é patrimônio indiscutível da cultura do Pará e influenciou uma série de novos estilos musicais, como o tecnobrega e a lambada, além de uma nova geração de artistas, como o guitarrista Lucas Estrela.
Nascido na capital Belém, Lucas começou a estudar música aos 12 anos, inicialmente com violão clássico, e, em seguida, com o contrabaixo. Hoje, aos 26 anos, ele vem construindo uma carreira calcada na tradição dos mestres da música paraense, como o já citado Mestre Vieira e também Pio Lobato, um dos primeiros estudiosos da guitarrada e músico atuante na cena local. Tudo isso sem perder de vista suas próprias referências, que incluem elementos do synthpop oitentista e do pós-rock, como atestam seus dois álbuns já lançados.
Sal ou Moscou, o primeiro disco, saiu em 2016. Gravado de forma caseira em um home studio, a produção deixa visível, ao longo de suas nove faixas, a procura do músico por sua própria linguagem. O álbum explora o tecnobrega e a guitarrada e funciona quase como trilha para uma série de ambientações. Essas características se justificam muito pela influência de Pio Lobato, uma das inspirações assumidamente mais fortes de Estrela (que auxiliou no disco e participou da faixa “2×2”), e também pelo envolvimento do músico com a pesquisa envolvendo paisagens sonoras e audiovisual na época.
Seu trabalho seguinte, o disco Farol, lançado no ano passado pelo selo Natura Musical, por sua vez, é muito mais múltiplo, em vários sentidos. Em termos de sonoridade, o álbum traz batidas e melodias mais marcantes, que vão desde temas que flertam com o surf rock até o já conhecido tecnobrega. É também um disco mais experimental e que expõe mais claramente outras influências de Estrela, como o synthpop.
Farol é um trabalho que tem potencial de propor uma reflexão sobre aquilo que chega da cultura do Norte até outras regiões do país, como Sul e Sudeste, principalmente.
“A base é guitarra, bases eletrônicas e elementos percussivos da música tradicional paraense. Mas outras ideias vão sendo adicionadas a essa fórmula, sempre com a ideia de promover uma aproximação entre a música regional da Amazônia e a música eletrônica global moderna”, conta.
Além disso, o disco também é repleto de parcerias, que deixaram suas marcas no trabalho, como o músico sempre faz questão de ressaltar nas entrevistas. Quase em sua totalidade, são amigos e conterrâneos de Lucas, entre eles Felipe e Manoel Cordeiro, Will Love, Lucas Santtana (que participa da única música cantada do disco, “Sereia”), Luê e Félix Robatto. “Vejo esse disco como um trabalho coletivo, muita gente participou e esse disco também é deles. Cada um contribuiu da melhor forma pro trabalho”, explica o músico.
Ao final, é um álbum que transita entre o tradicional e o novo, unindo o legado de nomes importantes da cultura do Pará a referências de uma nova geração que dá novo fôlego e sustentação ao que vem sendo produzido musicalmente por lá. Mais do que isso, ainda, também é um trabalho que tem potencial de propor uma reflexão sobre aquilo que chega da cultura do Norte até outras regiões do país, como Sul e Sudeste, principalmente.
O quanto de estereótipos há no que conhecemos? O quanto ainda podemos conhecer das culturas populares destas regiões? O trabalho de Lucas Estrela, assim como de seus parceiros, é um ótimo exemplo do tanto que essas culturas já nos deram e, como eles fazem questão de comprovar, do quanto ainda têm a nos oferecer.
NO RADAR | Lucas Estrela
Onde: Belém, PA.
Quando: 2016;
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