Roy Wagner publicou em 1975 a obra A Invenção da Cultura (Cosac Naify, 2012). Ao longo do livro, o PhD em Antropologia desenvolve um complexo argumento, apresentando uma leitura dos modos de objetificação que vão além da dicotomia entre ação e pensamento para propor uma abordagem da cultura que se distancie de um posicionamento estritamente intelectualista. No quarto capítulo, “A Invenção do Eu”, Wagner diz que “a cidade é cultura, e se torna tão ambígua quanto a própria cultura”, e segue explicando como “toda cidade é um contexto que foi deliberadamente articulado, precipitando uma necessidade que se converte na própria necessidade da civilização”.
Como então compreender a cultura enquanto invenção? Onde reside a ambiguidade dentro de um olhar tão circunspecto sobre o mundo que nos cerca? Neste deslocamento sobre a própria noção de cultura, que de alguma forma nos desafia diariamente, é necessário estarmos atentos, para que não caiamos em um debate raso e infértil sobre a qualidade de um produto cultural limitando a qualificá-lo como bom ou ruim.
Cultura pressupõe um acontecimento, um existir, permanente ou efêmero. Por que não cíclico? Talvez seja essa a melhor forma de explicar o espaço de seis anos entre Banda Gentileza e Nem Vamos Tocar Nesse Assunto (download gratuito aqui), novo disco da Banda Gentileza. Como toda banda independente, viver de música foi, é e será um desafio. O grupo o enfrentou e resistiu. Com formação diferente, o agora quarteto chegou às rádios e serviços de streaming na última semana.
“Como toda banda independente, viver de música foi, é e será um desafio. O grupo o enfrentou e resistiu.”
Além das mudanças nos integrantes, o tempo, os shows e a vida de cada um interferiram na nova roupagem do grupo. Muito além de dizer se melhor ou pior (como dito antes, infrutífero ao grupo e aos leitores), a Banda Gentileza está mais madura. E o melhor de tudo, na ativa. Os arranjos são novos, fazendo o quarteto curitibano soar mais cru que anteriormente, mais “rústico”. São evidentes os dedos de Gustavo Lenza e Zé Nigro, dupla de produtores responsáveis por Nem Vamos Tocar Nesse Assunto e outros tantos que provavelmente você já tenha ouvido (Céu, Apanhador Só e Curumin, “apenas”). Participaram Lauro Ribeiro e Marc Olef, da Trombone de Frutas, Hudson Muller (saxofone e trompete) e Maurício Badé (percussão), além do próprio Nigro.
O que torna o disco mais popular (e não necessariamente pop) é a farofa musical trazida pela Banda Gentileza ao longo das nove faixas do novo trabalho. Ele é mais experimental, com riffs bailando entre o punk, a música cigana e o psicodélico. As linhas de baixo são muito mais evidentes que em Banda Gentileza, criando um swing dançante, uma fusão entre ritmos latinos e jazz. Nuances da cena post-rock paranaense também dão as caras, com uma identidade muito característica do grupo em seu novo momento.
Jocosos, irônicos e mesmo românticos, a maior virtude da Gentileza foi fazer um disco que, ao mesmo tempo, é contemporâneo e vintage, que é totalmente diferente do início do grupo, porém, não descaracterizando sua história de mais de dez anos. No melhor estilo antropofágico, Bruno Castilho, Diego Perin, Heitor Humberto e Jota Borgonhoni revisitam suas entranhas na busca de reformular suas próprias convenções sobre cultura, música e, não menos importante, seus papéis enquanto artistas.
Na ambiguidade curitibana, que te abraça e te repele diariamente, numa rotina por vezes desconexa de sua própria cena musical, o retorno da Banda Gentileza exemplifica o conceito da necessidade de Curitiba acerca da existência do grupo. De alguma forma, a ironia presente no trabalho é direcionada a nós, consumidores dessa produção, às bandas, aos bares e casas de shows e, claro,a eles. Afinal, como dito por Martin Holbraad na orelha de A Invenção da Cultura, o trabalho da cultura é inventar a vida a partir de sua ordem.
SERVIÇO
A Banda Gentileza convida o público para o show de lançamento do disco Nem Vamos Tocar Nesse Assunto, que acontece neste final de semana.
Onde: Vila Zanardini – Rua Mamoré, 188 – São Francisco;
Quando: Dia 25 de julho, Sábado, a partir das 15h; Show, às 18h;
Quanto: R$ 15 (antecipado – compre aqui: bit.ly/gentilezashow2507) ; R$ 25 (na portaria).