No final de abril, a cantora carioca IZA lançou seu primeiro disco, Dona de Mim. O trabalho não contou com o mesmo apoio midiático que outros cantores brasileiros recebem da imprensa, mas ainda assim marca a busca importante pelo espaço do negro em uma sociedade ainda racista.
Se não considerarmos o continente africano, o Brasil se torna o país com a maior população negra do mundo. Contudo, nossa mídia ainda invisibiliza essa parcela significativa da sociedade negando a eles espaço e oportunidade. Um caso recente disso pode ser visto na ausência de negros no elenco principal de Segundo Sol, novela da Rede Globo que é ambientada na Bahia.
Na música, o quadro se repete quando olhamos as paradas musicais brasileiras e dificilmente encontramos algum artista negro em posição de destaque. Essa lista é reflexo direto de uma opinião pública moldada pela mídia, que pauta diariamente o que devemos consumir. Ora, se não chega na sua televisão ou no seu rádio algum material artístico-cultural protagonizado por negros, como esse pode ser consumido e reconhecido nas paradas musicais?
Nadando contra essa maré injusta, a cantora IZA surge como um sopro revigorante para a geração negra mais jovem que não se encontra nos produtos midiáticos veiculados pelos meios de comunicação de massa atuais. Uma geração de meninas negras que, provavelmente, não vão esbarrar nas músicas de Alcione, Sandra de Sá e Elza Soares.
“A gente passa por muitas coisas na adolescência e infância que são amenizadas quando a gente vê alguém igual a gente na TV. […] Se escutasse na TV alguém falando que cabelo crespo é lindo, talvez não alisasse o meu até os 20 anos”, diz IZA em entrevista ao Ego.

Ora, se não chega na sua televisão ou no seu rádio algum material artístico-cultural protagonizado por negros, como esse pode ser consumido e reconhecido nas paradas musicais?
As referências musicais da cantora carioca giram em torno das cantoras negras Beyoncé, Rihanna e Nina Simone – esta última utilizou de sua música para também denunciar as opressões sofridas pelo povo negro nos EUA da sua época. Devido a isso, sofreu diversos boicotes pela indústria fonográfica que a impediu de conquistar mais prestígio na sua carreira.
Tendo em vista a dificuldade de cantores negros em conquistar um espaço notório na grande mídia, a melhor opção surge com a internet, que propõe um espaço mais democrático ao horizontalizar as discussões e ameaçar a hegemonia da grande mídia como formadora de opinião. Não só a IZA se beneficiou desse espaço, onde lançou inicialmente seus covers, como outras cantoras negras também, a exemplo de Karol Conká, MC Carol, Ludmilla, Liniker e, mais recentemente, Jojo Maronttinni.
Buscando sempre evidenciar a beleza negra em sua arte, IZA costuma trazer em seus clipes a presença majoritária de dançarinos negros, destacando a diversidade do nosso país que tanto é ignorada pela grande mídia. Isso pode ser visto tanto no clipe de “Pesadão”, primeiro single do álbum Dona de Mim, em parceria com o cantor Marcelo Falcão, como em “Ginga”, com o cantor Rincon Sapiência.
Gravado no Viaduto de Madureira, referencial da black music no Rio de Janeiro, “Pesadão” consolida a cantora carioca como um nome em ascensão no cenário musical atual. Abordando empoderamento e superação, com o rapper Marcelo Falcão, “Pesadão” atualmente tem mais de 130 milhões de visualizações em seu clipe no YouTube e conta com certificado de platina tripla, referente a 240 mil cópias comercializadas no Brasil.
Com frequentes aparições na televisão, músicas em trilhas de novelas, participação no show do cantor norte-americano Cee Lo Green no Rock in Rio 2017, lançamento do seu primeiro álbum e agora com um programa próprio no Multishow, IZA vem conquistando um espaço que comumente é difícil de ser conseguido por um negro na mídia de massa, devido um racismo ainda velado.
Mas por mais notáveis que esse feitos sejam, ainda é muito pouco para mudarmos uma conjuntura que não permite, por exemplo, que consigamos elencar outros artistas negros atuais que alcancem o espaço que a IZA está alcançando. Principalmente se esses artistas produzem conteúdo que já parece ser estigmatizado pela mídia, como rap, hip-hop e funk.
Para mudarmos isso, numa sociedade em que os meios de comunicação de massa não detêm mais do domínio exclusivo do que consumimos, é importante que haja a valorização do material produzido por grupos minoritários na internet. Sejam esses feitos por negros, por LGBTQI+ ou por artistas e bandas além do eixo Rio-São Paulo, mas que possamos dar visibilidade para eles, para que um dia eles alcancem o espaço que hoje a IZA vem conseguindo na grande mídia, buscando atestar no cenário musical a diversidade existente na nossa sociedade.