Em um dos melhores diálogos de La La Land, Sebastian (Ryan Gosling) tenta explicar para Mia (Ema Stone) a razão da sua paixão pelo jazz, após a garota dizer a ele que odeia o estilo. O jazz que ela conhece é do saxofone brega de Kenny G, da música de elevador ou, no máximo, o som relaxante de Norah Jones. E para grande parte das pessoas, jazz é isso. E escrevo isso sem nenhum pedantismo ou desmerecimento aos que não gostam do jazz que conhecem – assim como o filme trata Mia sem a chamar de burra por não gostar. É um estilo que, em nível popular, está quase morto. Rasteja no saudosismo de alguém que conhece um disco do Miles Davis ou escuta canções de natal.
Em sua paixão por jazz, o personagem de Gosling explica como se ouve, sente e vê a música. O caos entre o embate dos instrumentos, a inquietude, a complexidade, a beleza. A mesma paixão que Damien Chazelle, o diretor do filme, tem e retratou em obras anteriores (Whiplash, por exemplo). Uma paixão saudosista que, no personagem, aparece de forma extremamente purista. Em tempos atuais, o protagonista do filme reverencia Miles Davis, Thelonious Monk, John Coltrane, etc, como se o jazz de verdade fosse apenas o feito na época deles, esnobando as fusões do gênero atualmente. Sim, foram esses caras que transformaram o jazz, fizeram história e – muito provavelmente – nunca serão batidos. Mas para isso eles não foram puristas como o jovem de La La Land e aceitaram as fusões.
A cidade em que se passa o filme e que é a casa do clube de jazz que o personagem sonha em abrir, é também a cidade que, na vida real, vive uma cena efervescente de uma nova onda do jazz.
A cidade em que se passa o filme, e que é a casa do clube de jazz que o personagem sonha em abrir, é também a cidade que, na vida real, vive uma cena efervescente de uma nova onda do jazz. Uma onda nada purista que encontrou o hip-hop e a música eletrônica para fazer o jazz voltar aos palcos, ouvidos, rádios, revistas e jornais. Los Angeles se mexe no jazz de Kamasi Washington, o saxofonista e principal nome dessa nova safra, responsável por colocar o estilo nas canções de Kendrick Lamar (especialmente no álbum To Pimp a Butterfly, de 2015) ao lado do baixista Stephen ‘Thundercat’ Bruner.
O rap de Lamar incorporou o jazz e o tornou comercialmente viável novamente, assim como os dois estilos encontraram as batidas eletrônicas do também músico de LA Flying Lotus, em suas construções de jazz experimentais contemporâneas. E tantos outros atos podem ser citados aqui, vindos até de outros países, como o trio canadense BadBadNotGood, ou de outros estados norte-americanos como Robert Glasper, Esperanza Spalding, Terrace Martin…
https://www.youtube.com/watch?v=9OZq2cactvc
The Epic (2015), a grandiosa obra de quase três horas de duração de Kamasi Washington, é – talvez – o estilo de jazz que o protagonista de La La Land não apreciaria. É, no entanto, o mais perto que alguém chegou nos anos 2000 de um Kind of Blue (1959) ou A Love Supreme (1965). Assim como os grandes nomes reconstruíram o estilo meio século atrás, pessoas como Washington o reconstroem hoje, com saudosismo mas sem conservadorismo. Porque jazz é algo vivo e livre, que, assim como o personagem do filme clamou, não pode morrer.