A música sempre serviu como catalisadora da vida. Ela já possibilitou, por exemplo, uma explosão de elementos que permeavam a mente dos jovens e traduziu, de forma lúdica, o que era presenciado no onírico dos que com ela se envolviam. Da revolução causada pela rebeldia de Elvis à psicodelia dos Beatles em Revolver ou do Pink Floyd em The Dark Side of the Moon, algo no mundo não permaneceu no lugar. A música existe para que, de tempos em tempos, ela se reinvente e reinvente o meio no qual está inserida. Não sendo assim, há o risco de que ela resulte em arte pela arte, uma efêmera (e sem sentido) representação do id.
Rodrigo Lemos, transfigurado Lemonskine, apresenta Pangea I Palace II. De Toda a Casa Crua, de 2012, ele trouxe a mesma vontade, porém com uma tom menos confessional, como o próprio confessou ao jornalista Marcelo Costa em entrevista (leia aqui). Nesses três anos, o músico também acumulou experiências e referências, impressas nas 10 faixas do álbum que até a próxima semana está em pré-estreia exclusiva no serviço de streaming Deezer (ouça aqui).
A capa do disco – obra de Gustavo Francesconi -, as fotos de divulgação e mesmo o nome do novo trabalho são amostras de que Rodrigo Lemos aproveitou essa deriva continental para conceber Pangea I Palace II nos mínimos detalhes. O início do disco apresenta a Lemoskine soando a la Clube da Esquina. Parece que Lemos mergulhou no tropicalismo, raspando todas as camadas de MPB necessárias para fazer um disco contemporâneo.
A psicodelia típica do rock nacional também está presente. “Um Negócio”, última faixa do disco, é um mergulho setentista e nas guitarras de Pepeu Gomes. De Novos Baianos a Os Mutantes, Lemoskine acrescenta sua personalidade e suas características de frontman para soar assertivamente moderno. “Nesse Lugar” e “Palmeiras Imperiais” são como ode à dupla Milton Nascimento e Lô Borges.
“Definitivamente, não temos um artista maduro e com trabalho consistente tal qual Rodrigo Lemos no Paraná.”
“Plantado em Fel” e “O Que Eles Têm” são as faixas mais rock do músico, a parte que ainda “procura pelo que lutar”. Desse trabalho mais rítmico também resultaram faixas temperadas por grooves do Funk e do Reggae. O fato é que Lemoskine queria soar mais sensorial, construir uma obra sem uma narrativa com estrutura linear, e ele conseguiu. Pangea I Palace II permite que o ouvinte faça a audição do disco na ordem que achar melhor, construindo atmosferas e sensações completamente diferentes, dependendo da sequência definida.
Mesmo sendo um trabalho mais idiossincrático, a escolha em concebê-lo desta forma parece-me acertada. Definitivamente, não temos um artista maduro e com trabalho consistente tal qual Rodrigo Lemos no Paraná, que seja capaz de flertar com tantos gêneros e influências sem soar pedante ou sem sentido.
Se existe alguma forma que consigamos deixar marcado Pangea I Palace II, talvez possamos dizer que ele reflete uma nova “contracultura paranaense”, não tanto por propor questionamentos sociais e políticos (coisa que de alguma forma ele faz no disco), mas por decretar a ruptura com o establishment do cenário indie nacional. Ele toma pelas rédeas sua carreira e escancara, sem violência, mas com certa crueldade, o quanto permitimos que nosso seio musical seja limitado.
O disco, que deve movimentar a agenda do cantor neste segundo semestre, já rendeu um videoclipe para a faixa “Pedra Furada”, também escolhida como primeiro single do álbum. Quem decidir esperar para adquirir o trabalho (e dessa forma fomentar a cena local), Pangea I Palace II entrará na próxima semana no iTunes com uma versão deluxe, contendo uma faixa extra e um arquivo com as artes, letras e os créditos. No aguardo para que nos encontremos pelas noites curitibanas.