Tim Maia aprendeu música muito graças ao esforço de seus pais. Com 12 anos, seu pai o colocou para ter aulas de violão. De Anísio Silva, Cauby Peixoto e Waldir Calmon a latinidade do Trio Los Panchos, o R&B de Otis Redding e o soul norte-americano, Tim criou uma identidade tão única com seu jeitão bad boy e sua voz aveludada, que apresentava o Brasil ao soul e vice-versa, a ponto de hoje ser um ícone na música popular brasileira, incomparável, e não apenas no gênero que representava.
É bem verdade que ele não era o único. Seu parceiro de composições, o “marginal” Cassiano, era também responsável por parte desse sucesso. Se sua voz fosse tão diferenciada quanto era a de Tim Maia, talvez tivesse tido até mais sucesso do que o músico tijucano.
O soul no Brasil ficou marcado pela dupla, relegando artistas como Gerson King Combo, Tony e Frank, Banda Black Rio, Carlos Dafé, Tony Tornado, Sandra de Sá, Dom Mita e mesmo Elza Soares ao segundo escalão do gênero, quase sempre esquecido do grande público – apesar de notoriamente lembrado e homenageado por inúmeros artistas que compreendem a importância desses músicos.
Com o passar dos anos, o soul em nosso país, como gênero único e não apenas uma inspiração, permaneceu adormecido. Mesmo com Sandra de Sá e Ed Motta fazendo sucesso nos anos 1980, o que vimos a partir dos anos 1990 foi o surgimento de vertentes e o esmiuçar do soul enquanto gênero musical expressivo dentro de outros, como o rap, o funk e o charm, também conhecido como funk melody.
Por sorte, um número expressivo de novos artistas tem procurado influências e roupagens mais características da gênese do soul (seja o norte-americano ou o brasileiro), criando uma nova geração da soul music brasileira. Enquanto nos últimos 10 anos, Jair Oliveira, Max de Castro, Pedro Camargo Mariano e Léo Maia procuraram dar uma cara contemporânea ao gênero, 2015 nos reservou uma grata surpresa.
O araraquarense Liniker, que transita entre tantos braços artísticos, soube captar como poucos a essência multidisciplinar da música. Nestes dias de tanta obscuridade, o cantor surge como uma rara e grata alegria. Liniker, do alto de seus 20 anos, transporta o público a um outro nível de êxtase, onde, por mais que haja desconhecimento do que seja estética, somos bombardeados por arte em seu estado mais puro.
Sua poesia viaja pelo trato literário de suas composições, pela dança de seu baile corporal e pelo suingue deveras generoso com um país afundado nas lamas da descrença.
Liniker vem de uma família de músicos, característica certamente comum na história de grandes cantores. Estudante de teatro na Escola Livre de Teatro de Santo André, usou da arte como mecanismo de superar uma certa timidez, como contou à jornalista Paloma Franca Amorim, do Brasil Post. Pelo visto deu resultado.
Liniker, do alto de seus 20 anos, transporta o público a um outro nível de êxtase, onde, por mais que haja desconhecimento do que seja estética, somos bombardeados por arte em seu estado mais puro.
Enquanto a música popular brasileira, por vezes, parece caminhar para trás, em um exercício de diminuir e subestimar o público, como se ele não fosse capaz de interpretar o não dito (ou dito nas entrelinhas), Liniker explode metáforas em suas composições, criando autênticas poesias sobre amor que extrapolam a questão de gênero. Aliás, o próprio músico assume seu “eu musical” indo além de representações normativas do homem.
Toda uma geração de músicos e artistas britânicos marcaram época ao se travestirem. David Bowie talvez seja o maior nome neste sentido. E, novamente, para além do que poderia reger o senso comum – “Ah, isso é só para aparecer, chamar a atenção” -, Liniker faz questão de afirmar: “Quando me perguntam se eu sou trans eu digo: eu não sei, talvez eu não tenha uma nomenclatura, talvez a minha definição de gênero seja a liberdade”.
Tenho a ligeira impressão que estamos, todos, precisando de um pouco de liberdade, Liniker.
O músico tem um EP, Cru, lançado recentemente pelo selo independente Vulkania. “Zero”, “Louise du Brèsil” e “Caeu” não sairão mais da sua playlist. Garanto.
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