Provavelmente você já ouviu algum álbum de jazz, uma abertura de série com um clássico do post-rock, dançou ao som de música eletrônica ou se arrepiou ao som de uma orquestra, seja ao tocar clássicos ou a interpretar trilhas sonoras famosas do cinema mundial. Ou seja, a música puramente instrumental não é propriamente um mistério para o ouvinte, mas a situação muda quando estamos falando de música experimental. Matagal, disco lançado em 2018 pela Naftalanja, se enquadra justamente neste recorte específico.
As ideias expostas em Matagal são, ao mesmo tempo, complexas e alegres, um mapa estético amplo, que não se fixa em uma única representação sonora. Controlar a carreira discursiva de Fábio Laskavski, Marcio Inglat, Higor Wendrychowski, Sandro Schemes e Giva é tarefa difícil e ingrata. O caminho trilhado pela Naftalanja está fora da obscuridade comumente apontada à música experimental. Há um notável estudo para cruzar sonoridades aparentemente díspares, resultando em algo que não se encaixa apenas em música ambiente, world music, lounge ou eletrônica.
O grupo passeia por diferentes movimentos artísticos com um impressionante senso de clareza e determinação, alternando tanto um minimalismo quando assim a situação exige, quanto a estranheza de melodias emprestadas de diferentes culturas. Matagal é genuinamente aventureiro – e excêntrico, e estranho, e alternativo, e expansivo, e…
Matagal é genuinamente aventureiro – e excêntrico, e estranho, e alternativo, e expansivo, e…
Há quem possa ouvir as músicas do disco e reflita sobre a história da apropriação cultural. Proponho mais que uma lente crítica, um olhar minucioso ao trabalho de exploração das infinitas possibilidades que a música oferece – algo que se vê com muito mais peso na música experimental. Parece-me muito mais um grupo de entusiastas olhando para o poder aglutinador da música, procurando construir algo novo a partir de elementos sonoros que amam do que outra coisa.
Entre tantas, há uma característica muito particular (e interessante) neste trabalho específico do grupo. Essa farra musical carrega em si uma certa imortalidade, uma versão muito própria desse mundo contemporâneo que parece competir com a própria ficção – num embate que, convenhamos, a ficção não tem sido capaz de acompanhar. Não espere encontrar em Matagal um porto seguro para as suas inseguranças diárias, um ancoradouro para nossas vulnerabilidades. Parte da excentricidade do registro é, também, parte do que lhe confere riqueza estética e sonora.
A partir de uma entrega ao ritmo impressionante das canções, defrontamos uma beleza cintilante, uma intensidade que arremata o ouvinte e o coloca diante da única realidade possível em dias nublados e frios, como este em que escrevo esta crítica: se entregar à sinfonia ondulante da música. Talvez pareça estranho de início, mas duvido muito que o leitor não se sinta abraçado pelos devaneios ali impressos. Um álbum incontornável.