É impossível não sentir-se na obrigação de, ao menos, parabenizar a Médicos de Cuba. Isso ocorre não apenas pela qualidade dos músicos enquanto instrumentistas, tampouco pelos discos bem produzidos, ou ainda pela força em criar uma banda em Araucária e lutar para que ela dê certo. Dois pontos são cruciais no grupo que é a “Prata da Casa” da semana.
O primeiro deles diz respeito à forma inteligente com que regem a banda. Desde Recém Casados (2014) mostraram que o desejo era trilhar um caminho em que o ouvinte não seria subestimado. E deram continuidade a isto no homônimo Médicos de Cuba, lançado este ano. Não existem fórmulas prontas; a banda opta por ser um cálculo mais complexo, arrojado, em que o subtexto de suas canções dizem tanto quanto a narrativa mais superficial.
O segundo ponto crucial para definir a qualidade da Médicos de Cuba diz respeito à ousadia. Entre ironias e sutilezas textuais, o grupo destila críticas e acidez através de uma metralhadora giratória. Entretanto, consegue evitar um dos maiores tropeços de quem envereda pela ousadia: fogem do senso comum e compreendem os limites entre crítica (social e política, por exemplo) e esculhambação. E essa é uma das grandes dificuldades, mesmo entre artistas consagrados. A sabedoria aqui está em conectar-se com a realidade, cantar sobre o que conhecem (ou se prestam a conhecer), ao invés de assumir o local de fala de outrem sem qualquer espécie de embasamento.
E nesse bailado inteligente, irônico e ousado, Vinicius Hasselmann, Vinicius Windmoller, Saulo Panek e Wagner Prochno obtiveram o “aval” público para a continuidade de riffs venenosos.
E nesse bailado inteligente, irônico e ousado, Vinicius Hasselmann, Vinicius Windmoller, Saulo Panek e Wagner Prochno obtiveram o “aval” público para a continuidade de riffs venenosos. A campanha no site Kickante para garantir a prensagem e cobrir custos de pós-produção foi muito bem-sucedida. Resultado? Um disco de 10 faixas em que fazem mais que continuar o bom resultado de Recém Casados, apresentando paisagens sonoras que unem peso, lirismo e distorções.
Pérolas como “Mimimi”, “Médicos de Cuba”, “O Problema é Você” e “Descolado” chamam a atenção pelo equilíbrio em composições pouco normativas, sendo peças-chave neste jogo de “rockirônico” que a banda se propõe a fazer. Talvez por isso o quarteto não seja digerível tão facilmente. É preciso absorver o contexto e entender esse cenário mais amplo em que estão inseridos, principalmente porque a protagonista do grupo é esta estética nada sutil ou delicada. Sim, pode ser que uma hora ou outra você se veja representado nas composições do grupo. Entendeu a ousadia?
Se proposital ou não, há, no mínimo, quatro “quase-sequências” em Médicos de Cuba: “Medíocre”-“Vagabundo (Recém Casados); “O Problema é Você”-“Eu te Matei Para Não me Matar” (Recém Casados); “Não Deixa a Gasolina Acabar”-“Vem no Gás” (Recém Casados); e “Adoçante”-“Açúcar” (Recém Casados). Obviamente, isso se trata apenas de uma associação temática, mas dá indícios que a banda paranaense tem um universo inteiro a ser explorado e, talvez, até alguns paralelos. No fim, fica a esperança que essas infinitas possibilidades continuem chegando a nós em obras originais por suas peculiaridades. E qualidades, é claro.