Existe encanto em enfrentar a vida com poesia. A poetisa portuguesa Matilde Campilho deixou uma frase em sua passagem pela Flip que sintetiza o acolhimento poético pelo ser humano. Em suas palavras, “uma coisa boa de ser poeta é que é uma profissão eterna. Não paramos de ver poesia nas coisas. Ela pode não salvar o mundo, não salvar vidas como um médico faz, mas salva um minuto. E isso já é suficiente.”
Uma vida em poesia não necessariamente é uma vida em flores, principalmente quando entendemos que, por vezes, as dores ditam os passos. Nesse girar eterno das horas, em que o sublime é desafiado pelo concreto, pela dura frieza do asfalto, ou pelo esquecimento da cotidianeidade, procuramos virar os olhos a um ponto em que nos sintamos como em um porto seguro.
Faça Crescer Todas as Flores, segundo trabalho dos londrinenses da Montauk, cria uma ruptura com o recrudescimento da mesmice, adentrando a simplicidade dos versos e cuidando para que forma e conteúdo estejam em acordo.
As relações com o outro, um personagem qualquer, mas não “um qualquer”, são ponto de partida para cinco canções que dosam melancolia, solidão e vazio com a explosão da comunhão, a amizade e o amor, ou seja, um disco conflituoso como nossa própria existência.
Não é novidade na história recente do indie brasileiro essa pequena introspecção. Cícero fez isso com brilhantismo em Canções de Apartamento, um dos melhores dos últimos anos. A Montauk fez algo semelhante com Faça Crescer Todas as Flores. Cantado sob uma ótica feminina, ainda que Paula Stricker não esteja completamente só nos vocais, a banda arquiteta através de flertes com o lo-fi uma reflexão. Neste sentido, crescer flores pode assumir diferentes significados, e até ressignificar-se conforme a luz do dia.
Cantado sob uma ótica feminina, ainda que Paula Stricker não esteja completamente só nos vocais, a banda arquiteta através de flertes com o lo-fi uma reflexão.
É claro que esta escolha traz consigo alguns riscos. Um deles, e talvez o maior, era apresentar um disco efêmero, carregado em forma, mas vazio em conteúdo. Por este, a Montauk desviou bem. O outro, que diz muito sobre o fôlego narrativo da obra – leia-se coesão -, o grupo passa raspando. Ainda que haja um potencial hit – “Naufrague por Aqui” é impecável -, o disco pode soar meio morno aos ouvidos mais exigentes, principalmente da metade até seu final, quando a obra insiste exageradamente em sua própria opção estética.
Formada por Fernando Abreu, Vini Gimenez, Rafa Rodrigues, Giovani Nori e Paula Stricker, a Montauk contou com a participação de Vinicius Nisi e Marano, ambos d’A Banda Mais Bonita da Cidade, na gravação. O EP é uma evolução curiosa de Pés Descalços e Peito Aberto, lançado em 2014, uma opção valente em serem mais suaves quando poderiam abraçar sua zona de conforto. E só por isso já merecem aplausos.
Faça Crescer Todas as Flores é fruto de um bem-sucedido financiamento coletivo, mais uma demonstração do poder de ser independente e do valor de soar sincero.