Moses Sumney não apenas conhece de cor o ponto exato onde a beleza e a solidão se entrecruzam, como o retratou com excelência em Aromanticism. O primeiro álbum completo do músico californiano foi lançado em setembro do ano passado e reúne dez canções que misturam sem esforço o melhor do soul, R&B, folk e música alternativa em geral.
Ao longo do disco é possível pinçar uma extensa lista de referências que fundamentam o som de Moses. Radiohead, Dirty Projectors, James Blake, Nina Simone, Sufjan Stevens, Björk e até mesmo Milton Nascimento (uma de suas influências declaradas) vêm à mente. Porém, ele tem a elegância necessária para nunca deixar elas se sobreporem à sua veia autoral.
Dessa mistura nasce uma atmosfera densa, etérea, que pode facilmente colocar o ouvinte em um estado de transe. É como se congelássemos o momento em que estamos semi-acordados, entre sonho e realidade. A instrumentação gravita da sutileza das guitarras e baixos de timbres mornos, aconchegantes, até arranjos de cordas e sintetizadores que trazem frescor e constroem novas texturas para cada canção.
E no centro de tudo, costurando os elementos de seu universo um ao outro, está Moses. Ele alcança falsetes impressionantes com naturalidade e faz de si um coral de um homem só, criando belas harmonias vocais que, por vezes, tomam o protagonismo e em outras servem apenas de pano de fundo. A voz é seu maior instrumento.
Ele alcança falsetes impressionantes com naturalidade e faz de si um coral de um homem só.
Levando em conta seu timbre e os gêneros que ele mescla, seria fácil se enveredar por canções de amor e uma sonoridade um pouco mais pop. Mas Moses não é um artista de decisões óbvias ou simplistas.
Ele vai na contramão de seus contemporâneos ao questionar a maneira como encaramos o amor romântico. Até que ponto amar alguém, estar em um relacionamento, é realmente necessário para a experiência humana? Todas as pessoas são capazes de viver isso? A solidão é necessariamente algo ruim?
Essas questões dão o norte para Aromanticism — termo que significa literalmente a incapacidade de se experimentar o amor romântico. Moses desconstrói a ideia de que as pessoas só podem ser verdadeiramente felizes caso encontrem sua alma gêmea. Ao mesmo tempo tenta encontrar um equilíbrio saudável entre a vivência amorosa e o auto-isolamento. Assim ele encarna o papel ambíguo de ser tanto o bálsamo como o dedo na ferida.
Talvez a bela e intimista “Doomed” seja a faixa que melhor represente o conceito do álbum como um todo. Nela, Moses se questiona se é possível que a vida dele tenha sentido, mesmo ele sendo incapaz de amar. Outras músicas que merecem destaque são “Don’t Bother Calling”, “Quarrel” e “Lonely World” — que conta com a participação do virtuoso Tosin Abasi, guitarrista da banda Animals As Leaders.
No geral, Aromanticism é um disco conciso e coerente. As dez faixas fluem como um só organismo, cujo maior propósito é retratar de maneira fiel a solidão que parece reger a vida de Moses. E apesar dele se dizer incapaz de amar de fato, o amor que tem pela música transborda em sua obra, cristalino e sincero.